26.12.04

Se ao menos eu soubesse o outro lado, o caminho de que todos fogem e que tanto anseio, se eu soubesse, por um dia, a paz da inexistência, onde os passos que transpiro seriam nada mais do que passado.
A vida não me apetece, nem outro dia igual neste sítio onde ninguém vê a sombra com que desfilo a cada momento - nem tu, ainda que me passeie com a minha mágoa diante dos teus olhos todo o tempo.
Como é ténue a diferença, a linha que te separa da calma que há tanto espero, como cansa a luta que já não travo em nome da minha esperança aguda. Como queria que a noite caísse mais uma vez, de vez. Já não sei ficar aqui, os fragmentos que antes foram eu já só me afogam o sorriso, tira-me deste sítio onde chove o tempo todo e onde já não tenho espaço para ficar, não há ninguém que me apresse o tempo?, nem tu, nem mesmo tu alguma vez creste a solidez das minhas palavras - não vias que me saíam do peito??
A vida não me apetece, antes morrer nos teus braços esta noite, outra vez...

23.12.04

Sarcasmo

- Sabes, encontrei-te no outro dia num sonho meu!
- A sério? E que andava eu por lá a fazer?
- Nada... o mesmo de sempre...
- Hum!... E isso é?...
- Continuavas sarcástico como sempre.
- Ah! Há qualidades que não se perdem.
- Aliás, foste sarcástico como nunca tinhas sido...
- Não me digas? Ora, se eu fui sarcástico numa situação que a tua mente imaginou, e de uma forma como nunca antes, minha cara, e sem ser sarcástico, tu ganhas-me aos pontos...

22.12.04

Tenho o tempo perdido em qualquer dia de nós, saudade de uma noite que nunca vimos chegar; eu não sou tudo. Corro o céu pela mão que me estendes, sempre, mesmo na intempérie fugida que é a dor. Já não sei como te olhar, fantasma do grito que não alcança ninguém, sombra da pele que foi tua num toque, ser só não me preenche as metas que desenho a toda a hora; bastas tu.
Como queria um fim que me servisse, um adeus sem a palavra que me afoga a solidão, a noite, sem ti, já não é a mesma sombra e eu não sei como partir... Quem me dera, quem me dera a noite de vez e quem me dera não ser mais. Quem me dera um pouco de paz no peito que trago tão cansado.

("...E eu choro, baixinho, a cada sol posto.../ Como dói cada lágrima que me lava o rosto.../ Quem me dera que lavasse também a minha alma...")

O poema que me lês no olhar não passa de uma metáfora para a minha dor, não vês? Não vês que por dentro continuo à espera de uma paz qualquer que me embale as mágoas, que me sossegue o lamento, eu não sou ninguém sem os fragmentos que me correm a alma com toda a calma da destruição, as minhas lágrimas continuam a cair, por dentro, não vês? Não sei mais que mão agarrar, que abraço esperar que me embale se já nem a minha Lua me serve de caminho... quem me guia? Quem me leva para onde eu ainda voava, quem me apaga os dias que me enchem a dor?
Nem tu me usas como escudo de mim própria, nem eu sei mais dos sonhos que podia ser; já não te tenho como refúgio da tempestade que sou eu, não sei mais como te olhar se já não me carregas o rosto.
Então eu fico, "só, só como nunca me vi", vou amarrando ao pulso cada dia que nunca acaba, cada sol que não se põe, cada lágrima que me corre a face que ninguém vê e desespero, calmamente, por mais uma noite que me esconda os dias já em vão... de vez...

("...Solto um grito empastado/ Em tristes restos de clemência/ - Foi mais um dia passado/ No limite da inexistência...")

13.12.04

Saudade...

Saudade é uma palavra muito bonita.
Lembro-me de me dizeres uma vez que só existia em Português,
que não havia palavra que a traduzisse noutra língua,
e que por causa disso era tão difícil se definir o que é a saudade.
Como é que se esquece alguém que se amou? Sim. Será isto possível?
Será possível viver a vida de uma forma diferente
e retirar da consciência uma porção significativa da juventude?
Claro que não. Eu ainda me lembro de ti, eu ainda sonho contigo,
coisa que nunca sonhava vir a acontecer quando te tinha comigo.
Nesses tempos só tinha pesadelos, só tinha medo de te perder. E perdi. Ironia?
Sim. Sonho contigo. Sonho o teu calor, sonho o teu corpo abraçando-me no escuro,
sinto-te a respirar sem fôlego ao pé de mim, a soprar-me de leve no pescoço...
vejo-te tão perto e no entanto tão longe... Isto é saudade.
Vejo-te triste na hora da partida, a chorar sentada no chão,
com a dor toldada no teu rosto de primavera,
com o orgulho a impedir o pranto,
com a esperança que o tempo parasse e que o passado fosse a eternidade...
"Como é que se esquece alguém que se ama?
Como é que se esquece alguém que nos faz falta
e que nos custa mais lembrar que viver?
Quando alguém se vai embora de repente
como é que se faz para ficar?
Quando alguém morre, quando alguém se separa
- como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?
As pessoas têm que morrer, os amores de acabar.
As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros,
os tempos têm de mudar. Sim, mas como se faz? Como se esquece?
Devagar. É preciso esquecer devagar.
Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode-lhe ficar para sempre(...)"
Tenho saudades tuas, "totiça"...
*
The Crow

5.12.04

Ninguém ouve os silêncios que semeio sob o luar, aquele que me acolhe mas nunca o faz na verdade, ninguém me vê no olhar reflectido no meu rosto. Nem tu podes perceber a lentidão com que me apago, não há, decerto, ninguém que perceba a minha dor.
Solto a melodia que me acompanha alguns dos passos, os outros ficam para depois, ninguém tem pressa de conhecer o meu lamento, sabes que nunca gostei de ser tão igual a mim.
Solto outro grito, calado por tudo o que não sei se sou, como queria ser só, como queria sermos sós, quem me dera o fim da música que me ecoa nos ouvidos, todos os dias que nunca acabam até hoje dão cabo de mim e ninguém sabe, nem tu... não vês que já não sei voar, todos os sonhos caíram e os sorrisos morrem assim? Não vês que eu não desisto, mas que não tenho mais espaço para carregar a minha dor? Não vês que nos dias de chuva já não me serves de sol nem de abraço nas noites frias...?
Eu quero saber de que fazemos os sonhos para que durem assim, quero os dias como as noites em que te tornas o meu mar, só eu sei onde me perco sem que ninguém me acorde mais. Deixa-me ficar, dá-me os meus cinco minutos de paz e eu não te digo nada, nem do tempo que perdi quando ainda sabia voar; deixa-me ficar... mas fica comigo, não vês que só tenho (sempre) lugar para ti, és tudo o que não pode sair do meu peito, até já eu me perdi...?
E eu grito-te aos ouvidos sem que nunca me ouças, peço-te, o tempo todo, que não me deixes cair (não ouves?), eu sei que sou sempre eu mas eu já não sei ser sem ti, pega-me ao colo e ao silêncio que desfio sob o luar mesmo se não o ouvires, beija-me o olhar e seca-me as lágrimas com um toque, sopra para longe as palavras que me são tudo (não quero pensar), é um voo sem querer aquele que faz o meu lamento; tira-me daqui, um dia destes, volto a ser o que sempre quis, leva-me a voar de vez, ou apenas outra vez...

3.12.04

Porém voltas...

Outra folha que rasgo a cada final,
A cada silêncio que largo num caderno
A dor que desfio sozinha é-me igual,
Mas tudo o que trago no peito é eterno
E eu sigo, levando o frio a cada passo,
A mágoa de viver que nunca me solta;
Comigo, só o caminho que traço,
O grito arrastado de outro dia sem volta
E eu choro, baixinho, a cada sol posto...
Como dói cada lágrima que me lava o rosto...
Quem me dera que lavasse também a minha alma...
Mas é tudo igual, sempre dia após dia
E eu tremo, perante a minha agonia
Porém voltas, e contigo um pouco de calma...

2.12.04

A beleza das palavras

- Ficam bem os dois juntos - disse a rapariga do bar com o seu ar traquinas.
Olhei para o lado para ver quem era. Não a conhecia.
- É demasiado bonita para mim.
Ela riu-se, depois disse-me:
- A beleza é assim tão importante?
- É sempre,acredita em mim, é sempre...
- É só isso que te atrai numa mulher?
- É. - digo-lhe eu com a minha habitual frieza.
- Lá se vai o mito da beleza interior- diz-me ela desviando o olhar, quase me virando costas.
- Na verdade, a minha mulher ideal tem de conhecer três palavras.
- Ah! ainda há quem tenha ideais... e quais são essas palavras? - pergunta-me ela voltando aos meus olhos.
- Cumplicidade, respeito, construção.
Ela ri-se. Eu continuo:
- É engraçado que são três substantivos femininos, pena é que raramente se apliquem às mulheres.
- Só isso?
- E serem bonitas, como é óbvio. Não precisam de ser tão bonitas como tu.
- Obrigado pelo elogio, mas não acho a beleza assim tão importante.
- As pessoas bonitas nunca acham. Nós queremos sempre aquilo que não temos.
- Essa auto-estima vai muito mal.
- Não tão mal assim...
- Humm... Deixa-me ver... Respeito, cumplicidade e?
- Construção.
- As outras palavras são quase clichés. Explica-me essa!
- Claro que explico. Palavra a palavra, tal qual pedra sobre pedra.

1.12.04

quase...

Aqui fica um texto de que gostei muito, mas que infelizmente não sei a quem pertence...

Ainda pior que a convicção do não e a incerteza do talvez é a desilusão de um quase. É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi. Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo, quem quase amou não amou. Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas oportunidades que se perdem por medo, nas ideias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono. Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor não me pergunto, contesto. A resposta eu sei de cor, está estampada na distância e frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença dos "Bom dia", quase que sussurrados. Sobra covardia e falta coragem até para ser feliz. A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai. Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são. Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza. O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si. Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance. Para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência. Porém, preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer. Para os erros há perdão; para os fracassos, chance; para os amores impossíveis, tempo. De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance. Não deixes que a saudade te sufoque, que a rotina te acomode, que o medo te impeça de tentar. Desconfia do destino e acredita em ti. Gasta mais horas realizando do que sonhando, fazendo do que planejando, vivendo do que esperando porque, embora quem quase morre esteja vivo,quem quase vive já morreu.

A armadilha das palavras

Para sempre é sempre pouco, digo-te. Tu ris.
- És sempre assim?
- O quê? Evasivo?
- O que lhe quiseres chamar...
- Parece que somos iguais.
- Ah! E eu que julgava que eram só os opostos que se atraiam...
- O magnetismo já não é o que era.
- É, dantes era mais evidente.
- Parece que agora as regras do jogo mudaram.
- Os jogos são sempre perigosos, cheios de armadilhas.
- A pior das armadilhas é a palavra...
Tu ris.
- Não sei, olha bem para dentro dos meus olhos.