2.11.05

Queria só dizer-te as canções nos teus olhos. Queria que soubesses as promessas no teu rosto, a luz permanente que te sai do olhar - apareceste com o repente de outro dia qualquer. Gostava que soubesses da tua presença em cada canto, em cada espaço que não me atrevia a procurar com o olhar, do brilho no teu sorriso quando os teus lábios se abrem com a simplicidade esculpida no rosto em redor. Queria contar-te as canções que se espalham na noite, cantar-te as palavras espelhadas no céu, tentar procurar-te sinónimos que se encaixem fielmente no teu ar - és muito mais do que as palavras te podem dizer.
Evaporaste o conceito de perfeição que atirei para lá da meta do impossível. Há palavras para a perfeição, muitas palavras - palavras demais... - e as palavras não chegam para ti. Para ti só o silêncio, aquele que se habitua aos dedos que se cruzam, que nos sai dos olhares que se tocam e que despeja, a cada segundo, a latitude dos meus sorrisos de ti - para ti só o tempo, que nos viaja os corpos pelas horas marcadas à velocidade da luz, só o vento, só o mar. E é em vão que procuro explicações para a tua presença e o meu desejo de que permaneças, com a comodidade de um dia qualquer, é por nada que, por cima do ombro, as palavras dizem menos do que devia ouvir e é por tudo que preciso de te contar. Ainda não são estas as palavras certas que talvez nunca sejam suficientes - para ti, só o silêncio... - mas aperta-me a urgência que tenho de te falar do teu olhar. É-me urgente contar-te o amor, a subtileza nos teus gestos, a implosão que causam os contornos do teu corpo, contar-te o quase que é imperceptível a sombra no relevo dos teus traços. É-me urgente o tempo que não chega para te absorver cada sorriso, cada olhar, cada momento que, sem aviso, nos prende a respiração, segredar-te cada rua onde me levas pela mão, perguntar-te tudo aquilo a que me saibas responder. Quero que saibas, preciso, e foi preciso esconder a parte de mim que procurava para te poder encontrar - deixava de procurar um milhão de vezes mais para te (re)encontrar as mãos, o teu ar, a leveza do teu ar, para te (re)voltar a ver a redundância no luar, para um milhão de vezes mais tropeçares no meu caminho... Procuro as palavras certas mas para ti só um olhar... Para ti, só o silêncio que nos habita os dedos que se cruzam e onde dardejam, invisíveis, as explicações e lições dos meus sorrisos por ti.

22.10.05

Brilhaste naquela noite como nunca antes. Bastou o teu abraço - tocaste-me ao de leve a alma e, desde aí, a tua luz incomodou-me a ponta da desesperança que levantavas com o teu sorriso. Eu não lutei, confesso; não te impedi de me arrebatares da mornidão dos dias com um olhar, não te evitei as mãos quando as trouxeste até ao meu rosto, quando o teu toque começou a impor-se com a aparente subtileza das horas mornas. Eu não lutei, e fui fingindo que não percebia.
Estas não são as palavras certas... Queria dizer-te tudo, queria dizer-te tanto, contar-te a harmonia nos teus olhos e a força no teu olhar, a minha perplexidade perante o que, afinal, és - o aparente paradoxo, a simplicidade por trás do vulgar que finges ser, a pureza no teu rosto que me baixou os braços sem sequer o tentar.
Apareceste-me no caminho num dia qualquer, e foi com a simplicidade de um dia qualquer que me desarmaste e que esmagaste todas as minhas afirmações em prole das tais certezas - estas ainda não são as palavras certas. As palavras certas têm de te falar mais alto do que um olhar, têm de contar, sem armadilhas, as histórias e as estórias que os teus momentos me deixam no peito e de me arrancar da alma, gota a gota, a explicação derradeira para os meus sorrisos de ti. Eu só posso falar-te da volta que me deste aos dias, do inesperado que te sai dos lábios, da falta que a tua presença já faz, só posso falar-te do suficiente que é existires, da força da tua ausência quando não estás por perto, de como ainda não pousei desde que me levaste a voar e agradecer-te por teres tropeçado na minha vida num dia qualquer...
(Não... estas ainda não são as palavras certas.)

20.10.05

As palavras ainda me saem dos dedos com o tremor de quem foi apanhado de surpresa e não teve tempo sequer para pensar em probabilidades. Entraste sem bater e quase sem que eu notasse, sem sequer te esforçares desenhaste-me um sorriso no rosto que teima em crescer de cada vez que o meu olhar te encontra e foi com a simplicidade das coisas comuns que tornaste os meus dias mais curtos. Não me deixaste espaço para decidir, mesmo sem tentares as horam passaram a ser tuas, as noites também e eu não tive oportunidade para escolher...
Tu foste o anjo que me pôs de pé quando as minhas asas se esqueceram de que podiam voar, tu mostraste-me que o futuro podia ser agora, não me deste hipótese e eu não lutei contra as constantes aparições do teu rosto no meu pensamento. Ainda procuro as palavras certas, ainda não houve tempo para passar a tua luz para o papel, mas posso dizer-te que brilhas como nunca tinha visto ninguém brilhar, que é impossível não sorrir perante a força do teu sorriso contra o azul do céu no fundo, é inevitável a força que transmites com um olhar quase tão simples como tu, foi-me inevitável seguir os teus passos sem que tivesses de me dizer uma palavra. Ainda procuro as palavras certas - o que dizer de alguém que sempre que vemos é como se fosse a primeira vez, de alguém que nos leva a voar sem asas, que nos ensina algo diferente a cada dia, que nos fez voltar a sonhar, que é tão simples mas ao mesmo tempo tão pouco comum, que pede tão pouco mas tem sempre tanto para dar...? Não posso dizer-te mais, apenas que me completas, deste-me um novo sentido da realidade e mostraste-me um lado da vida que desconhecia, apenas posso dizer-te que cada dia contigo é uma lição aprendida e um sonho tornado realidade, que deste a volta por cima às certezas que eu tinha e que tu desfizeste, que ainda tento perceber como foi que entraste na minha vida tão rápido, sem pedires licença nem esperares que eu deixasse, fizeste-me dar o braço a torcer e talvez te tenha mesmo convidado a entrar... Perdi a noção do tempo desde que sorrio sempre que o meu olhar te encontra e agora já é tarde demais para não te ter na minha vida. Não posso dizer-te mais, apenas que me completas e, um dia, vou encontrar as palavras certas - até lá, procura nos meus olhos...

10.10.05

Apanhaste-me como quem sonha e eu não soube voar - perdi a conta às asas quebradas em prole de um futuro desigual, a melodia acutilante que o meu ode a qualquer dia soltava. É agora, que cada hora é sem ti, que me corre nas veias a metátese de outro dia qualquer e só agora, sem ti, o tempo toca nos segredos que não me apresso a desvendar.
Foste tu. Foste tu que me aqueceste os dias, aparentemente, quando a tua luz nem bastava para ti. Foste tu que me desenhaste as estrelas no infinito, mas elas já estavam lá antes. Foste tu que me fechaste os olhos ao mundo mas que acabaste por me tirar da cabeça a ideia das histórias de amor, fizeste-me perder tantas vezes mas eu acabei por ganhar, tantas vezes me abraçaste mas, afinal, eu não preciso de ti. E se um dia me tapaste o Sol para que só pudesse ver as estrelas, hoje a tua voz já não me diz nada, as tuas mãos já não me roçam o desespero e os teus lábios já não soltam, nunca mais, as estórias que me costumavam contar.*

9.9.05

Olho para o céu e tudo o que foste começa a tornar-se num rasto. Eu podia ter-te sorrido, podia ter-te deixado ficar, já eram tantas as vezes em que quase partias, era só mais uma vez agarrar as tuas mãos... mas eu nunca voei contigo.
Consumiste-me o tempo que te entreguei em mãos como se fosse teu. A tua sede de te amar, os momentos, os laços cortados com a pressa de uma palavra rasgada ao vento - eu quis ver-me livre de ti assim que me foi possível. E se foram muitas as vezes em que te disse que te amava para sempre, hoje digo-te que o amor não tem de ser eterno, que nós é que nos iludimos, digo-te que há outro sorriso no lugar do teu e que, afinal, eu não precisava de ti... E eu avisei-te tantas vezes.
Comparei-te ao eterno mas também o eterno se perde com o tempo, é dura a escolha que fazemos do destino, eu escolhi nunca mais te querer a meu lado - vezes demais a vida me doeu por tua causa... E se, por vezes, me fizeste sorrir e o teu riso ainda ecoa na distância do caminho, foram muitas as vezes em que escondi de ti as lágrimas que desfiava ao luar - eu disse-te que gritava por dentro o tempo todo... quantas vezes? Tu nunca acreditaste... Então eu desisti, como se desiste de um jogo antes de se perder, larguei a tua mão, com o pouco que me restava, e fiz o meu caminho, mesmo sem saber em que esquinas virar - qualquer rua é melhor do que a que corri contigo. E porque já não me és quase nada senão pena, o teu rosto longe de mim como nunca, já não me serves de sol nos dias de chuva nem de abraço nas noites frias... eu já não preciso de ti como sempre pensei que precisava, afinal não eras tudo, o teu nome no meu peito nunca mais - avisei-te tantas vezes... Adeus.

6.9.05

Hoje as tuas palavras não se guardam na facilidade com que eu as ouvia, por vezes. Tu já não me indicas o caminho errado a seguir e eu já não preciso da tua luz que, afinal, acabou por se apagar - a ironia faz-me rir de tudo o que fomos um dia. Eu amei-te demais e tu deixaste, pegavas-me na mão e sussurravas-me segredos que eu decorava como lições, eras tudo e eu, sem ti, não sabia o que fazer ou que caminho seguir de encontro ao meu sorriso... e tu levavas-me pelo caminho errado.
Tracejaste o meu tempo com a tua forma de amar. A subtileza do teu sorriso sempre lá, as tuas mãos nas minhas, a minha cabeça no teu peito, a tua presença aguda mesmo quando não estavas - que dirias agora, se soubesses dos meus dedos a percorrerem outro sorriso no lugar do teu? (Já não é o teu rosto que percorro com o olhar...) E tu não sabes, mas a vida já não me dói como quando eras tu que me deixavas respirar. Aos poucos vou esquecendo os contornos do teu corpo, os teus traços desvanecem-se com o que foi o teu sorriso, afinal não preciso de ti para ser, a tua mão no meu ombro, como antes, nunca mais... Eu disse-te que era a última vez.

21.8.05

Angustia-me a pressa dos dias com que te apago do coração. A pontaria das palavras, o tiro certeiro com que as soltavas, uma a uma, nas minhas mãos, a destreza com que me desfizeste e a quase tudo o que era teu. O último roçar de lábios que me soube a pouco mais do que despedida - o beijo amargo que, a pouco e pouco, diz adeus.
Esta é a última vez. Nunca mais o teu nome no meu peito, nunca mais. Nunca mais a tua luz no meu olhar, é a última vez que te carrego o rosto nos braços, a tua mão na minha, nunca mais. Eu não vou voltar atrás, é o fim dos segredos, os teus dedos, o meu céu, a Lua que era minha e acabou por se perder (eu vou aprender a andar sem que me leves pela mão.). E não quero mais canções que me tragam o teu tempo, foram demais as poucas vezes que voltaste, as horas mortas que trouxeram pouco mais do que indiferença, os momentos - as virtudes do amor que se cruzaram num último beco sem saída... Eu não sei de ti e, embora a tua ausência ainda me sufoque a alma, por dentro, é o fim das chances que sei que não vão voltar, as esquinas à noite já não guardam os teus passos, a chuva já não me traz restos de nós e eu sei que o meu tempo, agora, é todo meu. E porque foram demais as vezes em que desfizeste o que deixaste de bom, porque vezes demais escolheste não me olhar ainda que eu ficasse à tua frente, eu vou fingir que te esqueci e sorrir enquanto me for possível, vou ignorar a tua boca e tudo o que me traga a tua voz e guardar apenas o último roçar de lábios que me soube a pouco mais do que despedida...

31.7.05

Acordar sem o teu nome nos meus ouvidos. O frio do céu cinzento traz-me de volta a minha mão no teu peito, as horas que perdemos a ver o tempo passar - e eu insisto nas histórias insípidas que se perdem por amor. Insisto nas linhas curvadas do meu rosto (eu não vou parar de sorrir...), insisto nos lábios que se tocavam em momentos menos mornos, nas linhas em que escrevo e onde o teu nome já não me sai dos dedos. E aposto agora nos dias, porque as noites já não são nossas nem se perdem no teu tom.
Não quero mais histórias de amor. Desisto das canções desesperadas, as melodias que faziam crer o elixir da vida nos teus olhos - eu precisei demais de ti. Eu amei-te demais, tanto quanto sei, não se ama o outro mais do que a nós próprios. O frio do céu cinzento traz-me o nosso tempo de volta e eu insisto, porque o tempo que tenho agora é todo meu e não dos finais felizes que já nos tinha escrito - dos finais felizes, nunca mais.
Porque eu esqueci-me das minhas mãos enquanto me agarrava às tuas, ignorei a minha alma para abraçar a tua sem querer saber de mais nada. Porque foste as minhas noites e tudo tempo demais. Mas, agora que não quero mais histórias de amor, que o eco das canções já não me traz os sorrisos patetas que perdi, que as noites já não me servem para sonhar contigo, acordar sem o teu nome nos meus ouvidos é a melhor melodia que posso ouvir, a vida à minha frente sem nós nem mais nada que me consuma o sorriso - e eu não vou parar de sorrir.

27.7.05

Não quero mais histórias de amor. Não quero mais planos de futuros facilitados, não quero mais mãos dadas à beira do pôr do sol - é o fim dos segredos, das lições, das canções na rádio que despertavam sorrisos patetas nos rostos que queriam ainda acreditar. Não quero mais nada que me traga o teu rosto, nem mais horas que lembrem as certezas que tivemos. Antes assim, antes o mar, a acidez dos abraços que não sei se vão chegar, as vozes desesperadas por gritar algo mais do que silêncio. O vazio das minhas mãos, agora que já não estás. Eu prefiro assim, prefiro o morno dos lábios ao ardor da paixão, o aparente gelo dos olhares ao calor que os peitos trazem, por dentro. Prefiro o respeito das arestas limadas à pressa à extrema solidez que era a minha cabeça nos teus ombros. Eu prefiro assim, antes os sorrisos ainda humedecidos e a ansiedade amarga das surpresas ao previsível dos finais felizes. E o teu rosto longe do meu como nunca antes.
Já não quero a tua voz, a distância percorrida dos risos, a mágoa acesa das almas quando têm quem amar - a descrença das faces marcadas quando a desilusão não perdoa mais um dia incendiado... Não quero mais histórias de amor.

12.7.05

As linhas do teu rosto eram a perfeição para mim. Era a dureza dos teus traços, combinada com a suavidade dos toques, que me fazia sentir segura como nunca. E agora, que o que resta do teu rosto se limita a uma fotografia, agora que já não se combina a tua firmeza com a minha fragilidade, que os teus dedos estão tão longe que não posso chegar a senti-los e o impacto do teu rosto se mantém, não sei que valor dar aos meus passos, nunca tão firmes como os teus, nunca tão certos como os davas, nunca sem a sombra em que me deixavas caminhar, quase a teu lado. Agora, que a magia das noites se perdeu e que a dos dias se começa a dissipar, não consigo saber, ao certo, que caminho seguir. Porque eu ainda me perco nos teus olhos, porque ainda me passa ao lado o tempo, sem ti, porque o fim demora e chega sempre cedo demais, porque desfizeste o pouco que tive nas horas que teimavam em não passar. Porque nós fomos muito mais do que as folhas soltas que restaram, porque tu ficaste em muito mais do que a minha alma, porque nunca soubeste ler as palavras que te atirava em silêncio e que diziam tudo. Porque até no meu rosto te trago e a tudo o que fomos sem querer.
Mas o tempo passa e, embora não cure tudo, vai secar as lágrimas que nunca caíram a seu devido tempo, vai apagar a música com que ainda nos ouço o tempo todo, vai levar-me a algum lado onde não me faça falta a tua mão para caminhar por um sítio qualquer. Porque foram muitas as vezes em que me desarmaste, sem saberes que tudo o que eu tinha eras tu e, apesar da perfeição que eram os teus traços, foi a nossa história que levou reticências, foi o nosso tempo que ficou parado e foi a melodia que era nossa que continuou a tocar nas noites em que, sem ti, a magia se perdeu.

26.6.05

Quero que saibas que a tua voz ainda me percorre os sentidos, que o teu riso ainda ecoa no meu rosto e as tuas mãos continuam com as palavras que me deixaste no peito. Ainda é contigo que sonho, mesmo sem saber fazê-lo e, apesar de já não haver magia quando as estrelas sobem, ainda te ouço a escolheres uma a dedo para lhe dares o meu nome.
E a vida passa por nós como sempre passou, o tempo com a pressa de quem não espera por ninguém, as lições que decorei ainda sempre a meu lado, previste os meus dias já vazios das tuas mãos e acertaste - o meu sorriso desvanece-se sob o mesmo céu, a mesma música de sempre no silêncio das noites, os meus braços ainda vazios de ti.
E tu tinhas razão, um momento é tudo o que preciso, um sorriso sem nada por trás e a magia das estrelas de volta... porque as palavras já não chegam, a magia é-me urgente, porque os teus passos já não são seguidos dos meus, porque já ninguém ouve comigo a música no silêncio das noites e eu não posso esperar para ver quem vai estender-me a mão quando eu voltar a cair. E porque tu ficaste em mais do que as minhas mãos, ficaste nas folhas em que tentavas desenhar o que íamos ser um dia, ficaste nos dias em que o teu riso ainda se perde, ficaste nas noites em que um segredo marcava o momento em que te encontrava, nas horas que passámos a ouvir a magia que só nós percebíamos no luar. E nos Outonos em que as folhas caíam e o vento não nos trazia mais do que a melodia que ambos vamos fingir que esquecemos. E quero que saibas que é só isso que vou fazer enquanto me for possível, fingir que também a tua voz foi levada pelo tempo, que as tuas mãos já não me tocam o rosto e que acredito que as estrelas vão voltar a subir com a mesma magia de antes, a magia de quando ainda não havia lições decoradas nem músicas para escutar no silêncio das noites em que ficaste.
*
Para ti.... porque a magia das noites perdeu-se contigo.

15.6.05

O teu nome já me sai dos lábios com a calma de um sorriso e a vontade de decorar o teu rosto não me larga...

2.6.05

O teu sorriso gelou-me na face antes que eu pudesse mover um dedo a favor do vento que se arrastou por nós, nessa noite. Sussurraste-me, sem querer, outra lição decorada à força - aquela que o tempo traz numa canção e que diz que tanto o vento como as palavras são muito mais fortes do que queremos acreditar, aquela que desespera porque é inútil tentar o silêncio ou a paz que só por segundos me roçam o rosto.
Foram muitas as nossas lições e demasiado o tempo para as aprender. Foram muitas as vezes em que o chão me fugiu de debaixo dos pés sem que a tua mão estivesse lá para me agarrar, mas, no final, ficaram as lições - não vale a pena procurar o céu quando os pés não saem do chão, não vale a pena um sorriso com tudo o que ele esconde por trás, não valem a pena as palavras que guardam, por vezes, muito mais do que dizem.
Foi urgente, para mim, tomar-te como anjo que sempre quis crer que fosses. Foi-me muito mais urgente do que procurar o que os teus sorrisos tinham por trás, o que as tuas palavras não me diziam. Foi tão urgente que o tempo passou por nós e ficaram-nos as lições que me segredavas ao ouvido, enquanto eu desfiava os sorrisos que ainda guardava para nós, sem saber que não se toca o céu com os pés ainda no chão. Se o tempo tem vantagens, as lições são uma delas, mesmo decoradas à força nas noites em que o vento se arrasta por um passado que durou tempo demais, por um futuro que nunca chega como esperado, mesmo decoradas numa noite em que o teu sorriso me gela na face e eu não posso sequer mover um dedo.

In dreams

In dreams, in dreams, in my dreams. Sneaky light sneaking under my door, under my dreams. Playing tricks of light, playing in my head. Where I fade my eyes, where I blunt my sight. In this land of illusion, a land of make believe where I blush my face. In dreams, in this dreams I veil the long night you smile the aroused lips, arouse the dreams that blunt my face. You youthfully in your joy, you the entretainment of my sight.

16.5.05

Fechar os olhos ao presente. Fechar as chances de sorrir, por agora, e guardá-las para depois, riscar desde já da lista a hipótese de agir. A mim, o que me incomoda é a lentidão acelerada dos dias, o vagar descontrolado que transforma a vida em pedaços que nunca conseguimos juntar num todo; a dureza de ser, a certeza de um passado que não volta e de um futuro que terá de vir - é o que me provoca a agonia que me exausta. Antes as noites, antes sonhar, antes pelo menos não dar por nada, mesmo com a desilusão de abrir os olhos e ver que tudo continua igual...
Não é preciso correr pelas horas para que elas doam, não é preciso sonhar mais alto para que cada queda magoe o peito - basta fingir, basta saber que o mundo não é diferente e, mesmo assim, continuar a fingir, basta-me saber que hoje já não és o anjo que talvez nunca tenhas sido.
O que não me basta, o que nunca foi suficiente, é caminhar, escondida, à espera que alguém me aponte o caminho de volta para a paz que nunca tive, para o todo que nunca fui - e é tudo o que faço.

9.5.05

Deixo o mundo sem mim, esta noite, em que perco o que ainda restava de nós pelo vento. Agora, já nem as tuas mãos me acompanham, o teu rosto já não me diz o que fazer e eu já não sei, sem ti, que caminho seguir de encontro ao meu sorriso. Eu disse-te que o tempo nos arrefecia a alma, tu não acreditaste e agora aquilo que fomos não me chega para achar o caminho que, parece-me, demora sempre tempo demais a chegar.
Sorriste vezes demais e vezes demais te pensei indispensável - indispensável é sonhar, indispensável é sorrir quando nada mais nos resta, é pensar o céu e ver sempre uma estrela, a vida nunca vazia de nós; indispensável, é fechar os olhos à noite com a tranquilidade de uma lembrança e perceber que o tempo não dá tempo de esperar por ninguém. E a urgência dos sorrisos aperta-me a alma.
É só isso que é urgente, um sorriso que não doa por trás dos lábios que se mostra, sonhar o tempo todo sem que ninguém nos interrompa a paz que um sonho demora a construir...
De mim, por agora, só resta o aperto no peito por momentos que talvez não venham a chegar, a minha paz são os cinco minutos em que me permito tentar voar e deixar o mundo sem mim, esta noite...

30.4.05

eu prefiro a adrenalina da sinceridade ao tremor frio da mentira...
Não é que eu já não soubesse, mas não consigo deixar de ficar perplexo com a força motivacional que existe num sorriso teu. Mesmo tímido e a fugir da minha vista.

31.3.05

E se o silêncio for a melhor forma de esquecimento?

19.3.05

Trago os dias cantados no peito que foi teu enquanto o livro que desfolho chega ao fim. A noite foi nossa, por vezes, por vezes amei-te os gestos como quem ama a luz que nos abre o caminho - porque tu eras a minha luz e eu não me conformo em perder-te. O mar, o céu, foram só pedaços da rapidez com que passámos pelo mundo e as estrelas para onde voámos a cada lua, o limite que ultrapassávamos sempre demais. Éramos nós, nós, e o mundo sem nós já não segue como antes, a vida sem nós é-me igual à inexistência. E ninguém pode perceber, nunca ninguém nos viu em tudo o que fomos connosco. Mas eu amei-te... amei-te os dias como se fossem os meus e os sorrisos como se eu não pudesse ser sem eles. Amei-te tudo e, afinal, a minha voz apagou-se com o nosso adeus.

13.3.05

dia da mulher...

Já vai atrasado mas, como dizem por aí, o que conta é a intenção. Seja uma intenção, então...

Nada mais contraditório do que "ser mulher"...
Mulher que pensa com o coração, age pela emoção e vence pelo amor.
Que vive milhões de emoções num só dia e transmite cada uma delas, num único olhar.
Que cobra de si a perfeição e vive arrumando desculpas para os erros, daqueles a quem ama.
Que hospeda no ventre outras almas, dá à luz e depois fica cega, diante da beleza dos filhos que gerou.
Que dá as asas, ensina a voar mas não quer ver partir os pássaros, mesmo sabendo que eles não lhe pertencem.
Que se enfeita toda e perfuma o leito, ainda que seu amor nem perceba mais tais detalhes.
Que como uma feiticeira transforma em luz e sorriso as dores que sente na alma, só pra ninguém notar.
E ainda tem que ser forte, pra dar os ombros para quem neles precisa chorar.
Feliz do homem que por um dia souber entender a alma da mulher!
*
(autor desconhecido)

1.3.05

Será

Será que ainda me resta tempo contigo,
ou já te levam balas de um qualquer inimigo
Será que soube dar-te tudo o que querias,
ou deixei-me morrer lento, no lento morrer dos dias
Será que fiz tudo que podia fazer,
ou fui mais um cobarde, não quis ver sofrer
Será que lá longe ainda o céu é azul,
ou já o negro cinzento confunde Norte com Sul
Será que a tua pele ainda é macia,
ou é a mão que me treme, sem ardor nem magia
será que ainda te posso valer,
ou já a noite descobre a dor que encobre o prazer
Será que é de febre este fogo,
este grito cruel que da lebre faz lobo
Será que amanhã ainda existe para ti,
ou ao ver-te nos olhos te beijei e morri
Será que lá fora os carros passam ainda,
ou as estrelas caíram e qualquer sorte é bem-vinda
Será que a cidade ainda está como dantes
ou cantam fantasmas e bailam gigantes
Será que o sol se põe do lado do mar,
ou a luz que me agarra é sombra de luar
Será que as casas cantam e as pedras do chão,
ou calou-se a montanha, rendeu-se o vulcão

Será que sabes que hoje é Domingo,
ou os dias não passam, são anjos caindo
Será que me consegues ouvir
ou é tempo que pedes quando tentas sorrir
Será que sabes que te trago na voz,
que o teu mundo é o meu mundo e foi feito por nós
Será que te lembras da cor do olhar
quando juntos a noite não quer acabar
Será que sentes esta mão que te agarra
que te prende com a força do mar contra a barra
Será que consegues ouvir-me dizer
que te amo tanto quanto noutro dia qualquer

Eu sei que tu estarás sempre por mim
Não há noite sem dia, nem dia sem fim
Eu sei que me queres, e me amas também
me desejas agora como nunca ninguém
Não partas então, não me deixes sozinho
Vou beijar o teu chão e chorar o caminho...
*
Pedro Abrunhosa

28.2.05

Nós

Este já é velhote... só para recordar.

De mãos dadas, demos a volta ao Mundo.
Cruzámos fronteiras,
Atravessámos rios,
Passámos sinais vermelhos ao lado da passadeira.
De mãos dadas, de olhos postos,
Fomos um só.
E valíamos por mil.
***
A princípio estava tudo muito tremido...
Tu ainda não estavas recomposto do terramoto que,
Num repente, te tinha avassalado o coração,
E eu, ainda não tinha pousado, com medo
Que a terra me fugisse de debaixo dos pés...
Mas experimentámos dar as mãos...
E o resto aconteceu.
Tu recuperaste do terramoto,
E eu finalmente pousei...
Ao ver que o chão não fugia, arrisquei;
Pedi ingenuamente:
"Deixas-me amar-te?"
Ao que me respondeste com um sorriso de luar-de-prata........
Considerei um sim.
E amei-te.
Com o brilho de mil Sóis,
Com a força de mil Luas;
amei-te...
Até que, um dia, os Sóis e as Luas deixaram de brilhar
e de ter força.....
E nada era suficiente.
Podíamos dar as mãos com muita força,
Que já não aconteciam maravilhas.
Podíamos bater as asas com todo o entusiasmo,
Que já não levantávamos voo.
Foi a tua vez de me pedires:
"Ama-me..."
E de eu te responder com um sorriso de luar:
"Não consigo..."
E foi a última vez que te sorri.
*
(De mãos dadas, demos a volta ao Mundo.
Cruzámos fronteiras,
Atravessámos rios,
Passámos sinais vermelhos ao lado da passadeira.
De mãos dadas, de olhos postos,
Fomos um só.
E valíamos por mil.)

23.2.05

Decorei a tua boca num momento em que o vento e a noite andavam de mãos dadas e, desde então, a tua luz não me deixou - a não ser quando quiseste que a minha se apagasse. Desde então, os meus sonhos foram os teus sonhos e o meu percurso, o teu caminho. Desde então, a sombra que instalaste em mim prendeu-me aos dias de tal maneira que deixei de ansiar por metas onde não estivesses, deixei de me olhar para olhar apenas para onde me sorrisses, amar passou a fazer parte de mim mesmo todas as vezes que não o quis. Amo-te, sei-o agora, porque o meu coração não conhece outro nome senão o teu, porque o meu coração só responde à tua voz. Amo-te pelo sentido que dás a tudo, pelo que seria sem ti, pelos sorrisos que solto quando me obrigas a esquecer-me de mim, pelas lágrimas que afogo quando nos finjo menos eu. Amo-te, desde que vi as estrelas nos teus olhos sem que elas alguma vez tivessem lá estado, desde que as nossas mãos juntas nos fazem ver que não há tempo para mais nada - amar é urgente, sonhar é urgente, é urgente saber sorrir quando um sorriso não basta. Amo-te porque a minha alma pertence à tua, porque o meu peito não acalma nunca noutro abraço e sem a tua voz tudo é silêncio e ensurdece, amo-te porque estou destinada a ter sempre os teus braços como abrigo e o teu sorriso como luz, amo-te com a força de um beijo à chuva, de um segredo ao pôr-do-sol, amo-te porque a complexidade da palavra não chega para gritar ao Mundo, em desespero, a minha ânsia de te viver.
Amo-te, sei-o agora, porque nunca vou poder esquecer-te.
A minha vida foi o acolher-te com um sorriso. A tua, foi aquele olhar que nunca vi demasiado perto...

10.2.05

Não posso ignorar que os nossos caminhos se cruzaram uma vez, para sempre. Não sei esquecer todos os momentos, todos os sorrisos, todas as palavras que ficam sempre por dizer, como deixar partir uma parte significativa de tudo o que fomos, como apagar as lições (des)aprendidas nas tuas mãos?
Não é preciso esquecer, não é preciso matar um grande amor ainda que ele nos mate um pouco, afinal, "a maior solidão é a do ser que não ama"... Ou a do ser que, mesmo quando ama, está sozinho, mesmo quando rodeado de pessoas, se sente só. E eu sempre me senti só, contigo.
Por agora (talvez só por agora...), fico aqui, onde mesmo connosco tento não estar só, onde tento não matar um grande amor que me mata um pouco de vez em quando, sem o qual eu sei que morria de vez, outra vez, por dentro.

3.2.05

Ainda as lembranças de nós que me ladeiam os ombros num final de tarde tão ameno como outro qualquer, ainda os restos de ti que me aquecem o colo e me fazem sorrir, mesmo que um sorriso já não faça parte dos meus planos, não por agora. Não se a tua imagem de anjo me abandonou de vez, outra vez, pelo menos aparentemente. Não quando no meu rasto só se vêem pedaços de nós. Não vês que é suposto eu já não saber sorrir...? É suposto ter a minha Lua do meu lado, só, só ela me reconfortar, o normal seria não mais ver a tua mão estendida para mim, não mais acreditar que, às vezes, a vida ainda me corre ao sol... Os anjos já não existiam, não para mim, já não havia palavras que me servissem de prece nem olhos que me oferecessem sonhos, a tua luz já só fingia um ponto na escuridão.
E agora...? Que eu já sabia querer ser só e que os segredos que desfolhava já eram só meus...? E agora, que voltas como anjo que talvez nunca tenhas sido mas em que sempre acreditei? (se era a tua mão que via sempre - a mesma que me empurrava...) Que faço eu agora, que sei que os nossos caminhos se cruzaram uma vez, para sempre, que sei que tudo em meu redor respira o que resta de nós, que sei que a minha luz se apaga quando a tua não quer estar por perto...?
Eu fico, mais uma vez (talvez de vez...), sei que vou continuar a fingir aceitar o teu papel de anjo mal interpretado, a tua mão o tempo todo a estender-se depois de me empurrar, eu a tentar fugir da minha corrida constante para a desilusão e a fazer de conta que às vezes, só às vezes, a vida ainda me corre ao sol...

28.1.05

A palavra é de prata, o silêncio, de ouro... a palavra em silêncio... de diamante...

27.1.05

As ilusões não duram

Era o silêncio que me fazia esquecer de ti. O silêncio das palavras, das palavras escritas. O silêncio da memória, da apatia. Era o esconder-te dos outros como se negasse um passado, como se cegasse as recordações. Era o nunca falar de ti, o nunca pronunciar o teu nome.
Foi o silêncio que contive durante a nossa relação. Foi o facto de nunca ter contado aos meus amigos da tua existência, foi esse tempo de felicidade que fui contendo, que fui guardando na minha boca feita túmulo. Foi eu esperar que o nosso amor fosse sólido, que fosse inquebrantável e insuspeito. Foi essa ilusão de que iria ser perfeito, de que iria ser único que montou o meu silêncio num teatro sem palco.
Mas o silêncio não durou na tua boca, nem o silêncio nem a ilusão, e uma simples palavra tua despontou uma discórdia que ainda hoje julgava impossível. Uma simples palavra, uma simples faca. Uma adaga que desmontou todo o teu teatro, todo o cenário que montaste numa peça para eu ser o bôbo-das-cortes, o palhaço a que daria corpo e voz de protagonista. Mas eu soube guardar o silêncio na minha boca, guardar o público que necessitavas só para mim. E é nesse silêncio que eu guardo só para mim, nesse silêncio que nunca ousaste compreender, que te fará desvanecer e fundir com a bruma num dia vulgar, num dia tão banal quanto tu.

21.1.05

Mas quem foi que disse que o Mundo gira à volta do sol...? Aquele Copérnico era doido... Na verdade, na verdade... o Mundo gira à volta dos "ses". O que a porcaria de uma conjunção pode mudar...

20.1.05

A verdade mórbida nas palavras...

Sorriste. Sorriste, e bastou um sorriso. A ironia nos teus olhos brilhou sem hesitar, a voz a que me habituei clareou e veio ao meu encontro:
- Acho isso tudo muito exacto. Será que à noite a vida também não escurece? Será que o resto do mundo também não adormece? Como é que sabemos, se estamos a dormir...?
- Já te disse...
- Explica-me outra vez.
E eu recomecei, a nossa história toda de novo, a canção com que te embalava e à relatividade dos sonhos, expliquei-te mais uma vez como tudo não tem de ter um fim pois há coisas que nunca entendemos. Fingias perceber, o olhar sempre fixo na canção que me saía dos lábios, não estávamos sós mas o mundo não existia ali. Nada nos perturbava ou à paz que reflectíamos nesses momentos. Nada que nos importunasse o suficiente os sonhos que desfiávamos a dois, que estragasse a perfeição do nosso paralelismo. Nem eu. Que a vida por vezes dói é um facto, mas que o tempo mata de culpa... quem o explica, agora a mim? Os minutos que passei a contar-te minuciosamente como as coisas acontecem, só para ter o prazer puro de me ouvires e acreditares, as horas que gastámos a olhar o pôr-do-sol, como se dali viesse alguma verdade. A verdade? A verdade, dizias tu, é muito relativa. Ainda me lembro...
- A verdade é muito relativa. Mas sabes o que é pior? É quando o que nos dizem e nos cai mesmo mal é verdade.
- É... - murmurava eu - Há algo de mórbido na verdade das palavras...

16.1.05

A dor de abrir os olhos e ver que tudo continua igual, de perceber que, afinal, as palavras valem mais do que as acções, a dor de te trazer comigo um pouco mais no caminho que nunca chega onde espero, como cansa já ninguém me embalar os sonhos que perdi...
Por que é que a vida me dói assim, por que ninguém me vê nem percebe que tudo o que desfio no papel é o que sinto, ninguém crê, porque é que nem tu, antes tudo (e agora?), vês a sério e acreditas, será possível que ninguém veja como aguento os dias no limite do cansaço enquanto espero pela noite? - estou exausta.
És o único que ainda me olha um pouco da alma, vê-me, ainda que não vejas como me desiludo a cada final (agora já só vejo os finais...), és a única réstia de luz que por (cada vez mais) breves momentos me faz sorrir a sério (já não sei...), por isso peço-te, volto a pedir-te (ainda que não me ouças), despe essa imagem de anjo com que ainda te trago (mesmo agora, que já a sei falsa) se não me vais ajudar, ou estende-me a mão de vez, o melhor que puderes, antes que a tua voz deixe de ser o fio que me ata ainda aos dias, agora que já te disse como a vida me dói - mesmo por nada...
Não te esqueças de mim.

14.1.05

O desafio da verdade

Barbara chamava-lhe o Jogo das 25. Ela gostava muito de brincar, de fingir, de criar brincicadeiras de teatro e encenações de todas as espécies. Mas Barbara detestava a mentira, detestava-a de uma forma quase fóbica, mórbida. De uma forma quase destruidora que por uma vez custou a nossa relação. Barbara detestava a mentira desde que o pai a abandonara durante um fim de semana em que lhe prometera que quando voltasse a levaria a comer um gelado. Barbara nunca mais comeu um. o Jogo das 25 tinha regras simples: cada um de nós tinha direito a 25 perguntas; não valia mentir; podia-se não responder a uma única pergunta. Era um jogo perigoso? Um jogo de vida ou morte? Não, era um jogo de tudo ou nada. E Barbara queria tudo, queria entrar na minha vida, espreitar pela minha alma, estar cá dentro. Metia medo. O mesmo medo que Barbara tinha de mim, do que eu quisesse fazer, do que eu pudesse fazer à sua vida. Barbara queria controlo, da vida dela, da minha, como se eu pudesse sair de cena de um momento para o outro. Tenho pena de só ter chegado às 12 perguntas e de termos interrompido tudo entre beijos e lágrimas que pendiam da face como rios. Tinhamos vinte anos. A primeira pergunta que Barbara me fez foi se eu estava preparado para o desafio da verdade? Eu disse que sim. Menti, não que eu soubesse que mentia, sei-o apenas hoje, dia em que sei que dificilmente alguém estará preparado para a verdade, para a total verdade numa qualquer relação. A mentira faz parte e não sei se é tão mau ser assim. Hoje não tenho coragem de levantar a bandeira da verdade como um valor absoluto. Porquê que não comes gelados? Foi uma das primeiras perguntas que fiz, Barbara contou-me a história toda da relação dela com o pai, de como se sentiu traida, abandonada. As lágrimas humedeceram os seus olhos de amendôa muito claros, quase transparentes. Foi um discurso de quinze minutos da mais alargada franqueza. Quando desafiamos a verdade, até um banal porquê que não comes gelados pode ser dramático. A verdade dói quando tem de doer, e a verdade raras vezes é pacifica. A verdade é um desafio. E uma loucura. Em doze perguntas, em doze perguntas que duraram quatro horas de confissões de peito aberto, onde tudo nos pareceu mágico e nos uniu os corpos, despedaçamos a nossa naturalidade. E tudo ficou condicionado a não nos percebermos mais de tanto que já sabiámos. Como a sábia Barbara disse um dia, passava o resto da vida a tentar descobrir-te de novo, outra vez.

12.1.05

Outro dia que (não) termina com as minhas lágrimas, com esta quase cantiga que cada vez mais me afoga o peito. Não páro de tentar perceber, será que não vês que desespero por deixar, de vez, a existência, que anseio cada vez mais a noite, e não só aquelas que vêm no final dos dias, será que não percebes que a paz que me davas já não me sossega os gritos que solto sempre em vão? Eu caminho sempre mais para onde não possa sentir, eu tento esconder-me nas palavras mas também as palavras têm armadilhas, se eu pudesse, de vez, fechar as asas que já não me servem de nada...
Vejo agora que nunca me olhaste, no fundo, sempre fingiste ver-me e às minhas lágrimas, como me enganei enquanto esperava a tua mão... Espero agora o meu Deus que talvez venha a chegar, é irónico, sempre te pensei o meu anjo, afinal os anjos já não existem, não para mim.
Ninguém vê o final nos meus olhos, ninguém me ouve - não sei como, se grito por dentro o tempo todo!... Eu só espero silêncio, um silêncio qualquer que me venha calar, por fim, o lamento mas não te quero deixar só, não assim, por isso ouve-me, só desta vez (a última?) - leva-me daqui e apressa-me o tempo, faz de anjo por momentos e eu juro que acredito, se me estenderes a mão eu juro que a agarro, atira-me à cara uma paz qualquer, qualquer noite, mas depressa, antes que se me apaguem os dias, que não tenha mais espaço para a minha dor ou que a minha luz se acabe, de vez - não me queiras perder agora.

10.1.05

Saudade

Às vezes tenho saudades de te escrever. De te olhar de papel na mão, os olhos verdes e espertos debruçados sobre um abismo de letras, que te deixavam desamparada. Ora pelo desafio de beleza que as palavras te tentavam, ora pela angústia das palavras mais cruas. Era sempre assim, eu escrevia-te cartas como se a caneta fosse um bisturi que abrisse a alma pelo meio do esterno. As visceras e a pele nas tuas mãos. Às vezes era o teu sorriso tímido entre a mão que levavas à boca, noutras o olhar sério sobre a folha que seguravas directo aos meus olhos, como uma interrogação ou um prenúncio de discussão. Quantas vezes não era um brilho nos olhos, que humedecia e brilhava mais ainda... até cair uma lágrima. Lágrimas de emoção, tinhas lágrimas de emoção nos olhos, e raramente choraste. Isso sim, foi a nossa grande poesia. Às vezes tenho saudades de te ver ler as asneiras da minha imaginação, saudades de abrir a janela da alma, de fazer um diário de coisas que soubeste juntar, guardar folha a folha. Às vezes tenhos saudades de ser quem eu era, de ser quem eu para ti fui.

6.1.05

Quero que saibas que me afogo o tempo todo, que sufoco sob o sorriso que esperas, sempre, ver em mim, que grito sempre que me afasto e da minha boca só ouves a breve despedida, que por trás do olhar que te dirijo, confiante, peço-te ajuda, em desespero, sem que nunca nada te pareça forte o suficiente para te despertar os sentidos, para te mover o socorro que nunca me deste ainda que todo o meu corpo to implore violentamente, por dentro. Quero que saibas que nunca exagerei, que te apercebas da força das minhas palavras ainda que só escritas, nunca conseguiste ver (nunca quiseste?) que me saíam, de facto, do peito, do sítio que ninguém pode conhecer porque é tudo o que tenho que é realmente meu. E quero que saibas, sobretudo, que todas as lágrimas que viste foram verdadeiras e que continuarão a cair, que nem sempre me soubeste estender a mão quando precisei, que me sinto só todos os dias e que nunca vais compreender a lentidão com que apago os dias que me doem mais do que tudo.