26.12.04

Se ao menos eu soubesse o outro lado, o caminho de que todos fogem e que tanto anseio, se eu soubesse, por um dia, a paz da inexistência, onde os passos que transpiro seriam nada mais do que passado.
A vida não me apetece, nem outro dia igual neste sítio onde ninguém vê a sombra com que desfilo a cada momento - nem tu, ainda que me passeie com a minha mágoa diante dos teus olhos todo o tempo.
Como é ténue a diferença, a linha que te separa da calma que há tanto espero, como cansa a luta que já não travo em nome da minha esperança aguda. Como queria que a noite caísse mais uma vez, de vez. Já não sei ficar aqui, os fragmentos que antes foram eu já só me afogam o sorriso, tira-me deste sítio onde chove o tempo todo e onde já não tenho espaço para ficar, não há ninguém que me apresse o tempo?, nem tu, nem mesmo tu alguma vez creste a solidez das minhas palavras - não vias que me saíam do peito??
A vida não me apetece, antes morrer nos teus braços esta noite, outra vez...

23.12.04

Sarcasmo

- Sabes, encontrei-te no outro dia num sonho meu!
- A sério? E que andava eu por lá a fazer?
- Nada... o mesmo de sempre...
- Hum!... E isso é?...
- Continuavas sarcástico como sempre.
- Ah! Há qualidades que não se perdem.
- Aliás, foste sarcástico como nunca tinhas sido...
- Não me digas? Ora, se eu fui sarcástico numa situação que a tua mente imaginou, e de uma forma como nunca antes, minha cara, e sem ser sarcástico, tu ganhas-me aos pontos...

22.12.04

Tenho o tempo perdido em qualquer dia de nós, saudade de uma noite que nunca vimos chegar; eu não sou tudo. Corro o céu pela mão que me estendes, sempre, mesmo na intempérie fugida que é a dor. Já não sei como te olhar, fantasma do grito que não alcança ninguém, sombra da pele que foi tua num toque, ser só não me preenche as metas que desenho a toda a hora; bastas tu.
Como queria um fim que me servisse, um adeus sem a palavra que me afoga a solidão, a noite, sem ti, já não é a mesma sombra e eu não sei como partir... Quem me dera, quem me dera a noite de vez e quem me dera não ser mais. Quem me dera um pouco de paz no peito que trago tão cansado.

("...E eu choro, baixinho, a cada sol posto.../ Como dói cada lágrima que me lava o rosto.../ Quem me dera que lavasse também a minha alma...")

O poema que me lês no olhar não passa de uma metáfora para a minha dor, não vês? Não vês que por dentro continuo à espera de uma paz qualquer que me embale as mágoas, que me sossegue o lamento, eu não sou ninguém sem os fragmentos que me correm a alma com toda a calma da destruição, as minhas lágrimas continuam a cair, por dentro, não vês? Não sei mais que mão agarrar, que abraço esperar que me embale se já nem a minha Lua me serve de caminho... quem me guia? Quem me leva para onde eu ainda voava, quem me apaga os dias que me enchem a dor?
Nem tu me usas como escudo de mim própria, nem eu sei mais dos sonhos que podia ser; já não te tenho como refúgio da tempestade que sou eu, não sei mais como te olhar se já não me carregas o rosto.
Então eu fico, "só, só como nunca me vi", vou amarrando ao pulso cada dia que nunca acaba, cada sol que não se põe, cada lágrima que me corre a face que ninguém vê e desespero, calmamente, por mais uma noite que me esconda os dias já em vão... de vez...

("...Solto um grito empastado/ Em tristes restos de clemência/ - Foi mais um dia passado/ No limite da inexistência...")

13.12.04

Saudade...

Saudade é uma palavra muito bonita.
Lembro-me de me dizeres uma vez que só existia em Português,
que não havia palavra que a traduzisse noutra língua,
e que por causa disso era tão difícil se definir o que é a saudade.
Como é que se esquece alguém que se amou? Sim. Será isto possível?
Será possível viver a vida de uma forma diferente
e retirar da consciência uma porção significativa da juventude?
Claro que não. Eu ainda me lembro de ti, eu ainda sonho contigo,
coisa que nunca sonhava vir a acontecer quando te tinha comigo.
Nesses tempos só tinha pesadelos, só tinha medo de te perder. E perdi. Ironia?
Sim. Sonho contigo. Sonho o teu calor, sonho o teu corpo abraçando-me no escuro,
sinto-te a respirar sem fôlego ao pé de mim, a soprar-me de leve no pescoço...
vejo-te tão perto e no entanto tão longe... Isto é saudade.
Vejo-te triste na hora da partida, a chorar sentada no chão,
com a dor toldada no teu rosto de primavera,
com o orgulho a impedir o pranto,
com a esperança que o tempo parasse e que o passado fosse a eternidade...
"Como é que se esquece alguém que se ama?
Como é que se esquece alguém que nos faz falta
e que nos custa mais lembrar que viver?
Quando alguém se vai embora de repente
como é que se faz para ficar?
Quando alguém morre, quando alguém se separa
- como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?
As pessoas têm que morrer, os amores de acabar.
As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros,
os tempos têm de mudar. Sim, mas como se faz? Como se esquece?
Devagar. É preciso esquecer devagar.
Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode-lhe ficar para sempre(...)"
Tenho saudades tuas, "totiça"...
*
The Crow

5.12.04

Ninguém ouve os silêncios que semeio sob o luar, aquele que me acolhe mas nunca o faz na verdade, ninguém me vê no olhar reflectido no meu rosto. Nem tu podes perceber a lentidão com que me apago, não há, decerto, ninguém que perceba a minha dor.
Solto a melodia que me acompanha alguns dos passos, os outros ficam para depois, ninguém tem pressa de conhecer o meu lamento, sabes que nunca gostei de ser tão igual a mim.
Solto outro grito, calado por tudo o que não sei se sou, como queria ser só, como queria sermos sós, quem me dera o fim da música que me ecoa nos ouvidos, todos os dias que nunca acabam até hoje dão cabo de mim e ninguém sabe, nem tu... não vês que já não sei voar, todos os sonhos caíram e os sorrisos morrem assim? Não vês que eu não desisto, mas que não tenho mais espaço para carregar a minha dor? Não vês que nos dias de chuva já não me serves de sol nem de abraço nas noites frias...?
Eu quero saber de que fazemos os sonhos para que durem assim, quero os dias como as noites em que te tornas o meu mar, só eu sei onde me perco sem que ninguém me acorde mais. Deixa-me ficar, dá-me os meus cinco minutos de paz e eu não te digo nada, nem do tempo que perdi quando ainda sabia voar; deixa-me ficar... mas fica comigo, não vês que só tenho (sempre) lugar para ti, és tudo o que não pode sair do meu peito, até já eu me perdi...?
E eu grito-te aos ouvidos sem que nunca me ouças, peço-te, o tempo todo, que não me deixes cair (não ouves?), eu sei que sou sempre eu mas eu já não sei ser sem ti, pega-me ao colo e ao silêncio que desfio sob o luar mesmo se não o ouvires, beija-me o olhar e seca-me as lágrimas com um toque, sopra para longe as palavras que me são tudo (não quero pensar), é um voo sem querer aquele que faz o meu lamento; tira-me daqui, um dia destes, volto a ser o que sempre quis, leva-me a voar de vez, ou apenas outra vez...

3.12.04

Porém voltas...

Outra folha que rasgo a cada final,
A cada silêncio que largo num caderno
A dor que desfio sozinha é-me igual,
Mas tudo o que trago no peito é eterno
E eu sigo, levando o frio a cada passo,
A mágoa de viver que nunca me solta;
Comigo, só o caminho que traço,
O grito arrastado de outro dia sem volta
E eu choro, baixinho, a cada sol posto...
Como dói cada lágrima que me lava o rosto...
Quem me dera que lavasse também a minha alma...
Mas é tudo igual, sempre dia após dia
E eu tremo, perante a minha agonia
Porém voltas, e contigo um pouco de calma...

2.12.04

A beleza das palavras

- Ficam bem os dois juntos - disse a rapariga do bar com o seu ar traquinas.
Olhei para o lado para ver quem era. Não a conhecia.
- É demasiado bonita para mim.
Ela riu-se, depois disse-me:
- A beleza é assim tão importante?
- É sempre,acredita em mim, é sempre...
- É só isso que te atrai numa mulher?
- É. - digo-lhe eu com a minha habitual frieza.
- Lá se vai o mito da beleza interior- diz-me ela desviando o olhar, quase me virando costas.
- Na verdade, a minha mulher ideal tem de conhecer três palavras.
- Ah! ainda há quem tenha ideais... e quais são essas palavras? - pergunta-me ela voltando aos meus olhos.
- Cumplicidade, respeito, construção.
Ela ri-se. Eu continuo:
- É engraçado que são três substantivos femininos, pena é que raramente se apliquem às mulheres.
- Só isso?
- E serem bonitas, como é óbvio. Não precisam de ser tão bonitas como tu.
- Obrigado pelo elogio, mas não acho a beleza assim tão importante.
- As pessoas bonitas nunca acham. Nós queremos sempre aquilo que não temos.
- Essa auto-estima vai muito mal.
- Não tão mal assim...
- Humm... Deixa-me ver... Respeito, cumplicidade e?
- Construção.
- As outras palavras são quase clichés. Explica-me essa!
- Claro que explico. Palavra a palavra, tal qual pedra sobre pedra.

1.12.04

quase...

Aqui fica um texto de que gostei muito, mas que infelizmente não sei a quem pertence...

Ainda pior que a convicção do não e a incerteza do talvez é a desilusão de um quase. É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi. Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo, quem quase amou não amou. Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas oportunidades que se perdem por medo, nas ideias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono. Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor não me pergunto, contesto. A resposta eu sei de cor, está estampada na distância e frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença dos "Bom dia", quase que sussurrados. Sobra covardia e falta coragem até para ser feliz. A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai. Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são. Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza. O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si. Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance. Para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência. Porém, preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer. Para os erros há perdão; para os fracassos, chance; para os amores impossíveis, tempo. De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance. Não deixes que a saudade te sufoque, que a rotina te acomode, que o medo te impeça de tentar. Desconfia do destino e acredita em ti. Gasta mais horas realizando do que sonhando, fazendo do que planejando, vivendo do que esperando porque, embora quem quase morre esteja vivo,quem quase vive já morreu.

A armadilha das palavras

Para sempre é sempre pouco, digo-te. Tu ris.
- És sempre assim?
- O quê? Evasivo?
- O que lhe quiseres chamar...
- Parece que somos iguais.
- Ah! E eu que julgava que eram só os opostos que se atraiam...
- O magnetismo já não é o que era.
- É, dantes era mais evidente.
- Parece que agora as regras do jogo mudaram.
- Os jogos são sempre perigosos, cheios de armadilhas.
- A pior das armadilhas é a palavra...
Tu ris.
- Não sei, olha bem para dentro dos meus olhos.

30.11.04

Só eu vejo, ninguém mais sabe e só eu sinto. Só eu vejo de fora o que é dor, só eu sei. O grito que sempre calei no lugar do meu lamento, a água que cai no vidro sem que mais ninguém a ouça ou dê por ela. Só eu choro.
Desperto ao largo das ruas o instante que me limpa a alma, é como ver a ironia nos teus olhos, há dias em que me dói a tua luz que me é tudo. As palavras custam, é verdade, e se é difícil escondê-las é pior fingi-las, ainda me doem os segredos que enganei em vão, é tudo uma questão de tempo, tudo acaba por voltar para nós.
Eu sei que ando muitas vezes sem saber para onde, sei que grito sem saber a quem; eu, soluço por dentro o tempo todo, sem saber que mão espero que me limpe as lágrimas... Não vês que só a tua luz é o meu sol, que só o teu carinho me abraça a dor, que só tu me deixas no peito o pouco de riso que tenho, sem ti nem eu era possível como sou... Eu morro todos os dias um pouco, todas as noites perco algo de mim. Mas tu existes, e enquanto formos nós eu sei que vai sobrar sempre um pouco de tudo aquilo que te pareço onde me possa agarrar.

25.11.04

(recomeçar)

(...)
E uma urgência enorme
De nos voltarmos a ter,
E de te ouvir dizeres-me
Tudo o que ficou por dizer
Diz-me palavras meigas,
Como eu sempre quis ouvir,
Fala-me do futuro,
De tudo o que está para vir,
Cega-nos novamente,
Torna a ser o que eu sempre quis,
Diz outra vez que até morres,
Desde que eu seja feliz;
Volta a dizer que me amas,
Que sempre precisaste de mim,
Repete que me adoras,
Que tudo o que não queres é o fim
Fala-me de amor como sempre,
Como antes de o fim chegar;
Começa tudo de novo,
Torna a ensinar-me a amar...

19.11.04

história

Já bati à porta da noite mais triste...
Fui pedir-lhe os sonhos que me canso de ver,
Os pedaços de mim, de onde nunca saíste
Implorei-lhe que assim me ajudasse a viver...
E abri-lhe o meu peito, para que visse
O teu nome ainda solto no meu...
Sempre o que não fui... tudo o que não disse...
(quem me dera um dia voltar a ser eu...)
Já bati à porta da noite mais triste...
Pedi, já cansada, "Tu que me ouviste,
Estende-me a mão e leva-me a voar..."
Mas ela respondeu-me, numa brisa solta
"Lamento, mas o que passou já não volta...
Fica no teu canto e limita-te a sonhar..."

6.11.04

lua

Nem um ruído se nota ao longo da rua...
Um soluço, um abraço... nada no ar...
Um sussurro escondido à beira da lua,
Um lamento arrastado, alguém a passar...
Que força a da noite quando a Lua aparece
e eu lembro... se eu pudesse esquecer...
As ruas encontram-se, como quem tece
Fragmentos daquilo a que chamo anoitecer...
Que só a Lua parece esta noite no céu...
É como se soubesse como é por vezes ser eu,
Como dói a minha alma no final de cada dia...
Também ela brilha quando, na verdade, chora...
Que dor imensa... que triste que é vê-la agora...
Que vontade de a tocar, de lhe pedir que sorria...
Tu és o meu sorriso...

29.10.04

Levem-me daqui os sonhos que perdi num dia igual, passem a mão no meu rosto e sequem as minhas lágrimas. Peguem-me na mão e vejam nos meus olhos o que ninguém vê, ouçam o lamento que arrasto sem intenção. Ninguém o faz.
Quem me dera um pouco de paz, quem me dera a noite de vez. O silêncio do vazio ecoa-me nos ouvidos. A mágoa que quis esquecer entra de novo no meu peito e ninguém conhece a minha dor. Não tenho força, nem as lágrimas que perco no final de cada dia (como dói ser eu...) me lavam a alma (e como dói ninguém saber...).
Beijem-me os dias de vez, abracem-me os gritos que tento soltar em vão. Já não sei voar, não pertenço aqui, não sei que reconforto ainda me prende o coração. Queria gritar a distância entre mim mas a minha voz mantém-se ainda no meio da minha solidão.
Não há ninguém que me responda? Ninguém que me solte de vez as palavras nas horas que sempre quis ouvir... se alguém soubesse.
E eu não sei como vou ter de me manter desperta, o meu pedido de ajuda ainda a ecoar-me no peito...
Levem-me de vez para onde posso ser feliz, deixem-me ser só sem que ninguém me interrompa. Parem o Mundo que eu quero descer...

26.10.04

Os teus dias

Quando te conheci o sol ainda era este de todos os dias. No dia seguinte, no dia seguinte a ter-te conhecido, o sol era o mesmo. E já não era. Sobrevoava as noites que pareciam sempre as mesmas, e depois... depois já não eram. E era a música que sempre tocava no meu leitor, a música que, por acaso, ouvimos inteira à porta de tua casa. No dia seguinte, nessa manhã de Primavera mas de chuva, a música que era a mesma, também já não era. E foi assim com muitas coisas, durante muitos mais dias com muitas outras coisas. É, de repente, já nada era o mesmo. Já não era só a Primavera que se tinha transformado em Verão. Eras tu, sim tu, já nem tu eras a mesma. Primeiro bonita por fora, com olhos verdes infinitos como o meu mar à porta de casa. E depois, tão rapidamente, vindo de uma discussão por tão pouco, uma discussão por nada, por qualquer coisa tão insignificante como a tua beleza. Já não eras tu. Parecia que te tinhas virado do avesso, que o teu interior se tinha revolvido e saído para fora a meio de uma qualquer palavra insignificante como já não te dizer que te amo. De repente, sim tão rapidamente como uma folha madura cai de uma árvore, já era um Outono repleto de uma nostalgia que embalava os dias que continuavam todos na mesma, todos tão iguais.

25.10.04

Agarra a minha mão sem vermos o que fica para trás, abraça-me os dias em que me dói a saudade de mim. Anseio a tua voz, o olhar que diriges ao céu para onde queres voar, a tua pele cujo toque ainda me arde no peito. Eu não me esqueci de ti. Não me esqueci de ti, e se hoje me perco ainda à volta dos restos de nós é pela agonia que ainda me convém no final de cada dia, de cada ontem que ainda me marca o peito. Todos os dias me sobrevivo e às noites que me fazem morrer, a todas as horas cada lágrima guardada que me escorre pela alma se esconde do recomeço que adivinha. "És tão bonita por dentro", disseste tu, e não sabes que as tuas palavras são para mim a prece a seguir?, se eu ao menos soubesse porque mais ninguém as ouve...
Só tu, sempre tu, por isso peço-te mais uma vez, leva-me a voar contigo que ainda o fazes, pega-me na alma e não me deixes cair, canta-me os dias ao ouvido como eles podiam ser; não sabes nada mas podes ensinar-me tanto, não percebes a dor com que me acabo mas a tua luz serve por qualquer hora que me possas dar.

Os lábios

Eras tu que me guiavas pelo estreito e sinuoso mapa do teu corpo. Os lábios de algodão mordiscavam ordens que eu a gosto cumpria. Ferias-me a alma com a cor verde dos teus olhos. Não era o quanto eu te amava que questionavas, era o amor que ainda viria que nos fazia sofrer. O amor que viria embrulhado no coração da alma, o amor que fariámos aproveitando a ternura dos nossos corpo entrelaçados. Tudo podia acontecer naquele momento. Os teus olhos verdes e cristalinos como uma paisagem grandiosa que eu tentava perceber, os meus olhos persseguiam a tua mente pelo canal aberto na iris escura, expandida na aurora de um dia frio de sol. E quanto mais perto dos teus olhos, quanto mais perto da tua vida, quase tão perto do teu verdadeiro ser, quanto mais perto estava de te sentir, mais sentia o teu corpo esfriar. E se não era o teu corpo que esfriava, era o frio que se instalava entre os lençois, entre os nossos corpos que se afastavam. Tudo tão subtil como o prazer fugaz do teus lábios mordiscados em dor. Estivemos pertos do amor, digo-te eu, e não foram os nossos corpos que fugiram. Ficou tudo no silêncio dos teus lábios de algodão.

22.10.04

Os olhos

Os olhos? Os olhos têm pedrinhas lá dentro... Sáfiras brilhantes. São pequenos pedaços de magia quando brilham nas primeiras gotas da aurora. Choveu durante a noite, dizes tu com o desencanto de um sentir que ecoa nas paredes que preferimos desertas. O dia é como os outros dias em que o sol nos compromete, a chuva debita de mansinho uma melodia no vidro. Desenha quadros do Pollock que são efémeros e prateados, uma filigrana de mar que serpenteia em unissono com a minha preguiça. Tu abraças-me com os dedos, e vemos um filme escondido no silêncio perdido do olhar que se prolonga até a pele doer. O teu corpo é quente e frio o dia que nasce, frios os passos apressados das pessoas que se desviam da chuva que nos abrilhanta a manhã com um espectáculo na nossa janela. Não dizemos uma palavra, comemos os vocábulos nos beijos e as bocas saciadas são um jardim de flores murchas. Não sei se é do sono de uma noite incompleta de descanso, ou dos teus olhos... os teus olhos de sáfiras brilhantes não são para estes dias.

21.10.04

Não quero perder um só momento mas esquecer seria tudo o que preciso, não quero a ausência de ti mas ser só é sempre tudo o que me resta, não quero percorrer mais olhares para em meu redor só ter o teu.
Hoje volta o silêncio à minha noite, regressa o lamento espalhado por tudo o que é pétalas de nós. Restos de mim. Quase me tocam as memórias do que já não vejo, o que quase me perturba roça-me a pele, se ao menos eu ainda pudesse voar e as horas não fossem tão reles (se o vazio é tudo o que me enche...).
Eu quero o teu toque, quero a tua voz de luz do dia, quero a monotonia das noites, a minha luz, a tua luz tão comum como eu não sou.
Quero tapar os meus dias com os contornos da tua face, com os jeitos do teu sorriso. Com qualquer coisa que me devolva o eu que sempre quis ter a rotina de ser - quero ser contigo.
Hoje, porém, volta o silêncio à minha noite, e eu não ouso gritar alto o suficiente para te ouvir.

A boca

A solidão devasta-nos a alma. O silêncio perfura as bocas, mas delas só sai um oco inaudível. O lábio funde-se no lábio, uma porta estanque do teu sentir. Do meu também. Dizes que não queres viver na cidade que eu te escancarei como o amplo deserto das minhas riquezas. Eu aceito, num silêncio resignado que te circunda, que te abraça, envolve, mas com força, com força desmesurada até sentir o teu desconforto. A perversão de uma maldade sem a forma, com a crueza das pessoas maltratadas, criança mimada que resignada amua, mas sem mostrar a mágoa que lhe acinzenta o sorriso. Despeço-me em lágrimas, não, volto atrás e seco as lágrimas que ainda não tinham saído, enxaguo a alma. Sento-me de novo, e digo: repete. Não, não repitas. Eu oiço bem, olho nos teus olhos e oiço o teu coraçao falar da mágoa que te vai por dentro, e dói, eu sei que dói. É a mim que mais dói. Mas não somos todos vitimas do destino? Baixas os olhos como se não quisesses falar, sabes que eu te leio, um livro onde salto parágrafos que não compreendo, onde vejo texto aonde é afinal é paisagem baça e descorada de coisas que nem tu percebes. Não é fácil, escondo-me na boca de onde as palavras não saiem. Um esconderijo onde brinco sempre. Nada é certo, nada é por certo errado. Há um corropio de vocábulos a circular na cabeça, uma leve corrente de ar que rodopia, e rodopia. Eu sei aonde vai dar, o vento, o vento que sopra nos campos fazendo vendavais de palavras que deviam ser encarceradas, em palavras temperadas no acre da boca com paladar a mágoa. Não, não queremos isso pois não? Amaino as palavras iradas da cabeça, e dou-te a mão. A simples mão de amigo que tu ainda não compreendes. Vais compreender assim saiam as palavras correctas, as que desvendam o mistério, que percorrem os teus olhos de mar até as areias movediças do meu sentir. Eu ainda guardo o teu número.

20.10.04

Hora absurda

(...)
Gelaram todas as mãos cruzadas sobre todos os peitos...
Murcharam mais flores do que as que havia no jardim...
O meu amar-te é uma catedral de silêncios eleitos,
E os meus sonhos uma escada sem princípio mas com fim...
*
Alquém vai entrar pela porta... Sente-se o ar sorrir...
Tecedeiras viúvas gozam as mortalhas de virgens que tecem...
Ah, o teu tédio é uma estátua de uma mulher que há-de vir,
O perfume que os crisântemos teriam, se o tivessem...
*
É preciso destruir o propósito de todas as pontes,
Vestir de alheamento as paisagens de todas as terras,
Endireitar à força a curva dos horizontes,
E gemer por ter de viver, como um ruído brusco de serras...
*
Há tão pouca gente que ame as paisagens que não existem!...
Saber que continuará a haver o mesmo mundo amanhã - Como nos desalegra!...
Que o meu ouvir o teu silêncio não seja nuvens que atristem
O teu sorriso, anjo exilado, e o teu tédio, auréola negra...
*
Suave, como ter mãe e irmãs, a tarde rica desce...
Não chove já, e o vasto céu é um grande sorriso imperfeito...
A minha consciência de ter consciência de ti é uma prece,
E o meu saber-te a sorrir uma flor murcha a meu peito...
*
(...)
O que é que me tortura?... Se até a tua face calma
Só me enche de tédios e de ópios de ócios medonhos...
Não sei... Eu sou um doido que estranha a sua própria alma...
Eu fui amado em efígie num país para além dos sonhos...
*
Fernando Pessoa

19.10.04

Chove...

(sem título)
*
Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva
Não faz ruído senão com sossego.
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva
Do que não sabe, o sentimento é cego.
Chove. Meu ser (quem sou) renego...
*
Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece...
*
Não paira vento, não há céu que eu sinta.
Chove longínqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.
Chove. Nada em mim sente...
*
Fernando Pessoa

18.10.04

...

Quero viver assim, só como a palavra guardada no vento da noite. Tu sempre lá, a minha dor sempre à parte e às vezes passo a porta que me leva ao que é real; os pedaços de uma vida que me espera à chuva, fragmentos na melancolia dos dias.
Quero soprar no papel em que escrevo e mandar embora as palavras rasgadas, ler só nos teus olhos o caminho que se segue depois. As horas caem-me no esquecimento, por enquanto, o tempo já não está na minha mão.
Quero viver assim, só como uma palavra no vento da noite, de onde tu me puxas todos os dias para sonhar mais uma realidade.

15.10.04

...

O dia é claro, sinónimo de igual e como queria que fosse outro de novo.
Perdi os sonhos, sinto falta da minha luz, até das palavras que me marcam a dor e o meu lamento, ninguém o ouve. O Mundo entra-me agora pela alma e o ar que respiro não a lava de tudo o que me cai no peito.
Não sou só, quero voltar a sonhar enquanto vivo e que os dias voltem a ser mais do que esperados...

A cor da alma

Como gostei muita da ideia do "pegar-me na alma" do post anterior, resolvi ir buscar este aos meus arquivos... para continuarmos nas almas...

Agarrei um fio de prata de um raio de luar e fiz com ele um gancho brilhante para te prender o cabelo que se soltava no vento da noite. A chuva de Novembro gotejava umas orquídeas amarelas que te pintavam as sobrancelhas. Sempre me entreguei aos amores mais com a alma do que com o corpo, ao contrário da expressão popular. É uma postura diferente, daquelas que nem vem no Kamasutra. Estudei a arte de amar desde Ovídio até Stendhal e ainda folheei alguns contemporâneos. De nada serve o saber sem a consumação do sentir. Dei-te a mão sob um pretexto falso, numa rua que descia até ao mar numa calçada de paralelepípedos escorregadios, com tufos de musgo verde aonde se acumulava o orvalho da noite. Há qualquer coisa no toque da pele quase intangível. Uma linguagem que eu tento descodificar, uma química de compatibilidade. Há qualquer coisa que vibra no corpo quando tocamos a primeira vez em alguém. É preciso estar atento, parar todos os sentido e ficar à escuta com a concentração que as grandes coisas necessitam. A minha mão percorreu a tua como uma leitura sensorial e a vibração da tua pele sob a minha traçou uma paisagem azul de compatibilidade. Não me perguntes o que é isso. Acontece ser assim. A alma conta-nos histórias se estivermos dispostos a ouvi-la. A minha alma de pistachio desejosa de te conhecer gosta da tua paisagem azul que o teu contacto quente desenha na pele como uma pirogravura faz na madeira ressequida. Não me perguntes porque que a minha alma é verde e a tua azul. Não percebo muito de almas e isto de lhe dar cores é uma ilusão, até posso sofrer de um daltonismo que pinta mal as almas que sinto. No fim da rua há um bar sobranceiro à praia para onde nos dirigimos com o vagar de quem já tem tudo dito. O teu cabelo molhado pingava umas gotas de chuva fotogénicas na tua face fria. A minha mão na pele do teu rosto apagou a chuva de Novembro com o meu toque quente. És tão bonita como a alma.

14.10.04

...

Espera por mim, um dia destes, quando quiseres ir além do que pensas que existe. Sopra-me a vida de novo, atira-me um sonho qualquer, navega comigo outra vez enquanto esperamos o caminho certo.
Pega-me na dor e vamos ver o fim dos dias, o abrir das estrelas, o cair do teu sorriso à saída do pôr-do-sol. Vamos voltar a ser nós, a decorar a mesma Lua, a sonhar ao mesmo céu, com pressa de tudo o que possa acontecer.
Espera por mim, um dia destes, quando quiseres pegar-me na alma e levá-la a um final feliz qualquer.

13.10.04

...

Perdeu-se o tempo que fomos, fiquei sem a calma que era o teu toque. O ar da noite morre agora no que já não significa, o tempo foi demais para mim e também me perdi, já só me segredo distâncias que percorro à beira-mar.
A minha sombra preenche todo o meu espaço no lugar do teu sorriso. Do teu sorriso... Se eu voltasse a saber como sonhar... Se eu voltasse a saber como não ser só.
Qualquer sonho me servia, qualquer noite, qualquer. Qualquer voz que me tirasse deste dia tão claro. Tira-me as palavras de vez... Tira-me qualquer coisa que me devolva o ser.
Ignoro agora o teu rosto que escondo, desfolho segredos à beira da dor que me enche o peito e prefiro não escolher mais quem sou. Morri nos teus braços esta noite, e o tempo não me perdoa as mágoas que me fiz sentir...
Morri nos teus braços, esta noite.

12.10.04

Dá-me a tua liberdade

Tinha no ventre uma emoção que a fazia julgar estar grávida. A emoção transformou-se em desejo e a barriga cresceu mesmo. Não engordara. Dormia pouco, às vezes exagerava na bebida. Bebia muito menos do que eu. Dançava em casa, com os estores da sala levantados para que os vizinhos nos vissem. Danças eróticas. Nunca ousou despir-se enquanto dançava. Não pelo pudor que sentia com os vizinhos a olhar. Mas por mim. Tinha de apagar sempre a luz sempre que oferecia o seu corpo nu. Tinha nascido no dia 25 de Abril de 1974 e achava que a liberdade lhe pertencia. Não fosse o pudor atravessar-lhe o pensamento. Coloquei estores até na cozinha e na pequena janela da sala de banho. Nas noites quentes de Verão recolhiamo-nos na penumbra de minha casa, descarregávamos os corpos do peso da roupa, faziámos piqueniques na sala e embebedavamo-nos sem querer. Oferecia-te carregamentos de pétalas que a minha amiga florista me arranjava em troca de alguns favores inconfessáveis. Um dia adormeci-te um botão de rosa no ventre, uma semente para a tua imaginação.

11.10.04

Novembro

para a Bébé

Não sei porque chamo janelas aos teus olhos e portas ao teu sexo, não sei. O livro que te escrevo é uma mansão com imensos quartos vazios onde as palavras se vão deitar. Escrevo a nossa história em textos que tu rescreves por achares que não te compreendo. Dizes que penso saber tudo mas que estou muito longe da realidade que dizes também não conhecer. Eu só quero pegar no barro lamacento das nossas vidas e ser o artífice que o transforma. Não sei exactamente em quê nem em que sentido. A textura das palavras não tem de ser um caleidoscópio, toda a acção não tem necessariamente de ser um filme, até porque há momentos que não deviam ter banda sonora como o nosso primeiro beijo entre as buzinas estridentes de dois camiões cisterna, comentas tu. Foi mais marcante assim, rematas. Eu não ligo, e continuo a edificar o palácio do teu corpo com as suas janelas negras, o telhado amarelo com telhas curtas como erva seca e amarela espetada ao sabor do vento, as paredes caiadas de um branco luminoso e acabo com a descrição das portas trancadas. Tu riscas a última palavra que substituis pelo termo seladas. Eu olho para ti com ar incrédulo mas tu sorris e abanas a cabeça confirmando o que escreveras. As palavras continuam a chegar como convidados de uma grande festa que nós, anfitriões da mansão do nosso livro, recebemos cordialmente. Expulsas sempre os meus convidados que achas indesejáveis com um ar arrogante de dona de casa zelosa. Às vezes falo de ti, embora tu nunca te refiras a mim de nenhuma maneira. A história é tua e já te expões o suficiente, dizes tu. Gosto dos teus beijos misturados no vapor da madeira e do álcool do vinho do Porto. Descrevo o momento em que te disse amo-te pela primeira vez na minha vida de uma forma totalmente fantasiada. Tu riscas tudo com uma violência que até fura o papel. Encostas-te à janela e ficas a olhar para um ponto de fuga que eu não consigo perspectivar. Temos estes momentos em que andamos perdidos até eu te encontrar. Este momento até é daqueles que têm banda sonora, mas eu desligo a aparelhagem. O silêncio pronuncia a discórdia. Sabes que eu o fiz de propósito, dizem-me os teus olhos reflectidos no vidro. Sempre soubemos utilizar os espelhos, uma recordação que o teu sorriso mimetiza o instante em que os teus olhos se enquadraram nos meus no dia que nos conhecemos. O silêncio perdura e só o ruído do meu gesto de mudar de página irrompe como uma trégua. Rescrevo o momento riscado. Desta vez conto como tudo foi: a despedida à porta de tua casa; o momento em que me esquivei a dizer algo; a tua insistência para eu dizer o que me tinha apetecido dizer; eu a dizer que não era nada, que era uma asneira; descrevo a maneira como desci as escadas, a raiva que demonstrei contra as inocentes flores. Conto os meus pensamentos enquanto acendia um cigarro ainda à porta de tua casa, descrevo a minha covardia toda sem a menor piedade de mim próprio. Descrevo o momento em que me abraçaste por trás com o teu corpo quente colado ao meu, as lágrimas que escorreram mostrando o desconforto que sentia comigo mesmo, e o momento em que me rodaste para te enfrentar, contigo a lavar-me o rosto com os teus beijos fingindo serem toalhas. Faço uma pausa na escrita. Acendo um cigarro lavado no trago amargo do Porto por falta dos teus beijos. Vejo a nossa mansão do texto em ruínas após as tuas demolições violentas, debruço-me sobre o ultimo projecto que as minhas palavras anunciavam. A recordação do momento deixa-me fechado num monólogo interior. Fecho os olhos nas palmas das mãos como se fizesse um cinema com o filme das recordações só para mim. Tu vens ter comigo, enrolas-te nas minhas costas debruçando o queixo sobre o meu ombro. Espreitas o momento vivido através da janela do tempo que as minhas palavras abrem. Guardas-me as mãos no cofre forte das tuas. Continua, pedes-me. Não consigo. Não sei porque me custa tanto abandonar-me a alguém, o mesmo se passa quando tenho de descrever o abandono. Tens medo, dizes-me roubando os pensamentos mais íntimos. É como se te entregasse a minha vida. Tu percebes, dominas-me e por isso tudo isto me custa como se me fosse perder a mim próprio. Tu percebes tudo, sempre percebeste. És esperta como o ar que tudo preenche. As tuas caricias incitam a segurança que sabes que me falta. Estás dentro dos meus receios como um bálsamo, libertando um perfume intenso de tranquilidade. O colete de forças do teu desejo domina-me. Despe-te pedes tu, libertando-me as mãos das algemas das tuas. Eu pego na caneta, na folha, e escavo no mais fundo da alma, as razões e sentimentos que me perturbavam, que me condicionavam naquele momento, no segundo anterior a dizer que te amava. Tu acaricias-me as costas, pele com pele debaixo da camisa. Massajas-me a alma com o unguento da segurança. Eu descrevo tudo. As palavras vêm de dentro como o tijolo e a argamassa da nossa mansão de texto. Pinto paredes, destruo paredes. Faço aberturas onde não as havia, janelas para a alma. Descrevo recantos que são passagens secretas para sítios grotescos, tão próximos dos pesadelos. Mostro-te os terraços que dão para o céu de sonhos, e jardins que são o paraíso reinventando. Sou mais do que uma alma despida, sou a pele e o osso das palavras. O sangue pulula no interstício das linhas, e tu bebes a sangria que derrete na avalanche dos parágrafos. Paro de escrever quando a tua mão acaricia o meu sexo e os teus lábios anunciam a ordem no lóbulo trémulo do ouvido. Chega. A minha alma soluça baixinho, a água presa na barragem das pálpebras prestes a galgar o dique. A mansão do texto é, agora, apenas um auto-retrato meu. Eu precisava de ter a certeza, agarrar os teus medos e mistura-los nos meus, e fazer disso a massa consistente que proteja a nossa mansão das agressões exteriores, tinha tanto medo de que não fosses capaz de o fazer e libertar-me também das minhas inseguranças. Escreves tu no final, como um grande plano de uma flor no nosso jardim de paisagens interiores. Os corpos deitam-se empurrados pela aragem do espirito, as portas da alma abertas fazendo a corrente de ar violento libertar o pólen do desejo, e as portas do corpo que deixaste arrombar quebrando o selo do lacre. Foi quando dissestes que me amavas e eu o repeti fazendo eco do meu amor sem esforço algum. Tu pegaste fogo à mansão do texto libertando-me do inferno das meus medos com o fogo do teu desejo. Agora tenho-te para sempre na memória, segredaste-me. Eu também.


...

Só mais um dia cinzento, um dia tão carregado de mágoas como o meu peito. Consulto um Deus qualquer em vão, ninguém me dá respostas e eu não tenho mais portas abertas para a minha dor.
Queria que alguém me soubesse dizer o que me aconteceu, para onde foram os meus dias perfeitos, o que aconteceu à minha vontade de sonhar, porque deixei de saber voar?
Queria acreditar em mim mas mesmo o meu ser é pesado demais para a minha existência, não há ninguém que me tire deste sítio, da minha sombra? Daqui só posso ver o céu e pedir à Lua que um dia olhe por ti,respirar custa-me como um aperto à dor e eu não sei se consigo, afinal, ser só.

8.10.04

...

O Sol que volta agora a incomodar-me, tudo me queima as expectativas e me deixa na dúvida, "pensar incomoda como andar à chuva", os animais, por vezes, são muito mais felizes.
Não sei por onde ando, e ainda que o meu pedido seja escasso gostava de o fazer ouvir ao mar, libertar-me e acabar a revelar tudo o que sinto: lamentar nunca mais, dar um pouco de paz às minhas lágrimas, esquecer um pouco a dor que me acompanha sempre, sair da minha sombra e, quem sabe, ser feliz...

6.10.04

...

Penso em ti, muitas vezes, mais do que penso em nós.
Sem saber como, és o que tenho de mais longe, dentro de mim nada se sabe e do céu não me vem nada que possa ouvir. Já não chove agora, tenho pena, a chuva sempre esteve do meu lado, acho que sempre esperei que um dia levasse de vez o meu lamento que agora só carrego aos poucos.
Já não sei nada.
Indistintamente ou não, és o abrigo das minhas incertezas, lamento de uma dor que não quero deixar de ouvir.
"O mais é nada."...

5.10.04

...

Por vezes, o mundo parece tão diferente do que é e nós acreditamos. Eu acredito. A minha escolha é fraca, a minha Lua nem sempre me acolhe e eu não recorro a ninguém. Se os meus olhos me mostrassem. Se eu soubesse viver aqui. Mas do céu só me descem angústias e eu não tenho desculpa.
Não sou só mas queria ser e não posso ficar sem a minha estrela. Queria perder a existência mas o teu ar alegra-me a dor. Os dias passam rápido demais (e quem me dera poder fazê-los parar...) mas devagar o suficiente para me custarem (quem me dera conseguir fazê-los passar mais rápido...).
E eu fico aqui,onde não páro de desejar um fim qualquer mas agarro-me à vida de tudo o que vejo, onde não deixo de querer ser só mas tu dizes-me tudo o que não quero deixar de ouvir.

4.10.04

A beleza das coisas

A beleza das coisas está profundamente gravada no colorido dos teus olhos.

A luz da vida quando nos incide sobre a pele, deita-se connosco, atravessa a razão, e vem pernoitar nos sonhos. Passeio sobre a água alisada pela maré que à minha frente sossobra. Ha uma luz azulada que faz reflexos na crista das ondas e anuncia a chegada da manhã. As gaivotas chegam, fazendo-me companhia, debicam frutos do mar onde uma onda deixou apenas umas gotas de saudade. Outras saudam-me com coreografias graciososas, como se dançassem para mim. Dá que pensar. As ondas marulham de mansinho, o som de um saxofone aparece enchendo de laranja a paisagem. O dia vai ser quente. Há um suspiro no ar que traz de volta o teu perfume. É uma guitarra a dedilhar melodias nos meus sentidos. Uma brincadeira de sonhos que se entrelaçam. Não escrevo palavras na areia mas as palavras ficam retidas nos sonhos e de lá não saiem. Ainda dá mais que pensar. Na estrada de pedra o meu rasto perde-se. O medo assalta-me. Sim, isso de já não me poderes seguir, de não poderes sonhar na mesma dimensão que eu sonho. Estendo-te uma passadeira de rosas brancas que só acaba aonde o mar se vai deitar. É uma estrada de fantasia onde podes perder o resto dos teus dias, como um convite para um passeio sem fim. Uma viagem pelo interior das coisas. É o que dá pensar em ti.

Por isso espreito pelos teus olhos.

3.10.04

...

Já não sei que sonhos me animam as noites, que manhãs me iluminam o céu. Descem-me nas janelas mágoas que devia perder, a chuva embala-me na minha sombra e eu não esqueço tudo o que sei. E devia.
Vou passando pelos dias de mãos dadas com não sei que Deus que me acolheu. O fantasma da minha dor fica no céu e não me deixa. Eu, já não sonho. Espreito pela nesga do cortinado as poças de água que me sobram da dor. À noite, tudo será melhor. A Lua continua a balançar-me o peito que traz preso na face, a minha voz não se cala.
"O vento da noite gira no céu e canta." O vento da noite gira no céu e canta. E é tudo.
Quem me dera ser só.

Nas mãos do tempo

Estendeste-me a mão com as cicatrizes do destino expostas na sua palma. Tu dizes não acreditar nisso. Eu também não. Recebo-a na concha quente que as minhas mãos formam. Como nos fomos conhecer, pergunto-te. Tu foges da palavra destino numa resposta longa e sem nexo. Para o acaso, para as coisas inexplicáveis que nos acontecem, utilizamos a palavra destino. Há coisas tão simples como nos cruzarmos por razões que não nos ligavam. E porque estamos juntos, perguntas tu. A tua outra mão, de novo, sobre as minhas que ainda guardavam a tua, adormecida no murmúrio do conforto das minhas. Dou uma resposta simples, sem me ferir na profundidade de intenções que as tuas palavras abriam. As respostas simples não te agradam, e a fuga das tuas mãos elegantes do permeio das minhas pronuncia um distaciamento que o meu silêncio agudiza. Desvias o teu olhar como um paragráfo de texto escondido no meu olhar. O tempo são reticências que se vão somando umas atrás das outras.

1.10.04

A voz

Eu podia ser a voz do teu corpo. Podia ser a palavra mar a sair dos teus olhos, a catarata de lágrimas que o teu sorriso de gozo acompanhava na sonoridade infantil das tuas gargalhadas. Podia ser a palavra terra da amostra de pele que me oferecias nos momentos que te desnudavas no pudor de uma luz entreaberta na cortina da manhã. Podia ser o astrónomo que desvendava o mapa cósmico dos teus sinais castanhos, o desenhador das constelações que marcavam o teu corpo. Era o meu dedo a dar-lhes voz, como quem indica um trajecto numa estrada para a aventura, com rotas pré-programadas que te guiavam ao prazer. Eu podia ser a voz que prolongava os teus suspiros abafados na noite quente que nós faziámos incendiar. Eu podia ser a palavra fogo que vinha do teu corpo, podia ser a labareda vermelha dos teus lábios mordicados. Era a língua que falava de palavras que vinham da almofada dos lábios. Era a língua que cruzava com uma palavra silenciosa que ficava escondida e presa no teu olhar, banhado na luz baça da noite que parecia não acabar. Eu queria ser a voz da tua voz, queria ser o verbo do amor que no silêncio da resposta te mantiveste fechada. Eu que fui voz de mim e do meu corpo num mês de Primavera tão parecido com o teu nome.
Sopro ao de leve as lembranças que me sobraram da beira da dor. Na sombra, e só aí, ninguém me acompanha nem ao lamento que arrasto à beira-mar. A minha estrela, que já não é minha (e como o foi em tantas noites...), já não me desce aos ouvidos e a Lua já não é o meu baloiço. Felizmente, o céu continua no meu destino.
Ninguém compreende.
Hoje, como em tantos outros dias, já não importa; pego nos meus cinco minutos de paz e descanso as minhas lágrimas. Sou eu, sou só eu, e eu não posso ficar só. Desesperadamente, as ondas parecem mares que elevam a distância do meu grito ao quadrado.
O horizonte que fito já ninguém olha, e a longitude entre mim, ninguém a vê.

30.9.04

As mãos

As mãos não acreditam no sentir, como se a pele fosse um jogo do faz de conta. Tu dormes quieta ao meu lado, aonde a paz do meu coração te adormeceu. Há um sentir dormente que desperta na manhã e a isso não chamo amor. Tu não te importas, o teu sorriso diz quase tudo, mas o quente da tua mão que sossega o lábio ainda vibrante da palavra anterior, ainda diz mais. Gosto das mãos que falam; que pedem com a palma estendida qual báu aberto a espera da entrega do tesouro; das que oferecem com os dedos esticados como se nos procurassem; das
que acariciam sem pressionar com a lentidão das coisas que não têm importância; das que se entrelaçam numa união mais forte que um cadeado de chave atirada ao vento. As tuas, falam docemente pela manhã e os teus olhos são só uma paisagem. As mãos brincam, são crianças risonhas num parque infantil saltando de diversão em diversão; são exploradoras tenazes que desbravam a selva; são jardineiras de um jardim colorido como os teus olhos. As mãos beijam-se fazendo cornucópias e um bailado moderno no ar. Estão dadas, longamente oferecidas à troca de prazer. Nas tuas mãos um abraço final principia.

um verão cheio de ti

foi um verão cheio de ti. um verão cheio de luz nos teus olhos. cheio de conversas que imitavam palavras escritas. foram cartas escondidas em silêncios desbravados numa praia. as rochas que saltamos, os pés que molhamos cresciam como memórias que não morriam. foram grãos de areia contados entre o indicador e o polegar, a ampulheta do tempo a imitar o bater do coração instalado nos segundos do verdadeiro tempo. foram longos os passeios que destruiam a tarde, que subjugavam o pôr-do-sol até nos perdermos na noite. foi o orvalho que tombava nos teus olhos de riso, o humor da minha alma patética como um elogio terno. foram de novo as palavras, agora sussuradas aonde dormia o silêncio da noite. foi a boca no ouvido a escrever segredos nas orelhas, adornos ainda mais reluzentes que brincos de prata na ternura da aurora. foram textos de intimidade no diário de uma só noite. foi de novo o sol, foram de novo dias como outros dias, como os dias que se seguiram. foi de novo a praia, o sol que queimava o teu corpo cada vez mais queimado, foram os olhares que regressavam em vagas de timidez. foram os toques na pele as feridas que ardiam depois das despedidas. foram os momentos em que ficava sozinho, a escrever, a escrever-te cartas imaginadas que se perdiam nos sonhos e não regressavam. foram as histórias embriagadas no final da tarde, foi essa tarde que mais uma vez se perdeu na noite, nessa noite que na praia, junto ao mar, te abracei o tempo todo que ousaste permitir. foi uma noite toda embalada nos meus braços, os segredos eram silêncios transmitidos boca a boca, as palavras saliva enredada no céu estrelado da boca. foram palavras estrangeiras trocadas no dicionário dos dedos, traduções de dialectos na brincadeira de duas línguas. foram noites cada vez mais silenciosas vividas na câmara escura dos olhos. trancados nas paredes finas de pálpebras, falavamos com as mãos nos cadernos escuros do corpos. foram noites de textos longos que só falavam de prazer. foram prazeres que foram repetidos no final de noites, no final dos dias, e dias seguidos, em dias consecutivos, no próprio dia as vezes que a alma queria, e o corpo lá ia e vinha cada vez mais escrito de memórias que não iriam querer morrer. foi a noite que choveu, qual diluvio que te levasse, qual chuva que te molhava os olhos de dor, que te escondia o sorriso num abraço dado na alma. foi a chuva que te levava, que extinguia o verão. foi a chuva nos meus olhos quando te vi partir, por detrás de um vidro que te levava, pingado de dor que escorregava por esse mesmo vidro que te levava cada vez mais longe, cada vez mais longe, cada vez mais longe...

29.9.04

a chuva...

"(...) A chuva molhava meu rosto gelado e cansado
As ruas que a cidade tinha já eu percorrera
Meu choro de moça perdida gritava à cidade
Que o fogo do amor sob a chuva em instantes morrera...
A chuva ouviu e calou meu segredo à cidade
E eis que ela bate no vidro trazendo a saudade
E eis que ela bate no vidro, trazendo a saudade..."

...

Voltada para o céu, tudo o que sinto em volta é vago. Só as ideias de nós prevalecem e os dados não jogam mais nas casas certas.Aqui estou, sem fôlego nem razão só de te lembrar e ao teu sorriso que faz tremer o céu. Os cabelos fogem-me ao vento e a razão também.
Voltada para o céu, de queixo erguido para o vento, o mar tão longe que não sei, sonho. O tempo é mesmo o inimigo, as tréguas que podia dar ecoam-me na saudade e suponho, talvez nada me faça parar.Voltada para a Lua, idolatro a dor que trago no peito cantando-a.
Eis que me lembro de ti.
No meio do Inverno, a cidade que vejo silencia e eu páro, "dizer que te amo é como uma cabeça de alfinete no Universo", dos meus olhos húmidos saem pautas de sonhos e só a tua existência me representa a realidade.
Já não há dores nem demoras que me afastem do meu ninho.

28.9.04

poema

.
..
...
"SÓ"
*
Acordo com a noite que me gela o coração,
Respiro a medo a verdade que paira no ar
Uma sombra de um passado balança no chão,
Queria ainda estar viva, mas já não sei sonhar
Acendo a luz e pego no meu livro de saudade,
Escrevo sonhos que não tenho e memórias de algo mais
Escrevo lágrimas que me caem no meio da sanidade,
Da coragem que não tenho em sítios tão desiguais
Acompanhada pela dor a que chamo solidão,
Vou voando com a noite que me leva pela mão,
E no fundo já não sei se quero mesmo voltar...
Com o meu livro aberto na sua página mais triste,
Embalada pela música de algo que já não existe,
Perco-me pelo espaço e vou-me deixando acordar...
*

26.9.04

Teatro

Soube tocar-me num abraço sentido, num louco e apertado abraço. Soube pousar admiravelmente a longa e bela mão sobre o ombro. Acariciar as costas como se de um carinho se tratasse. Envolver-me em si com uma força enorme, grande como uma amizade. Soube poisar a cabeça sobre o meu outro ombro ciumento. Tocar-me num contacto terno o rosto seu no meu rosto inexpressivo. Soube beijar a face da forma única e afectuosa dos amantes. E tudo a fingir um acto de teatro...

25.9.04

Sobre a poesia

- Como descreverias o pôr do sol?
- Diria que o sol morria numa agonia cor-de laranja.
- E um dia de chuva e vento?
- Diria que o choro dos céus era maior nos teus olhos e que o teu sopro era como um beijo devastador.
- Sim, mas eu não sou para aqui chamada.
- Quem disse? Tu és a metáfora perfeita de qualquer poema.

21.9.04

o bilhete

Hoje descobri um bilhete que um dia estive quase para deixar no para-brisas de uma pessoa. Nestas alturas penso sempre se um gesto meu não poderia mudar várias vidas. Depois, quando penso que é responsabilidade a mais, deixo de pensar no assunto.

Muitos serão os que te cortejam
Alguns, não terão essa coragem
Repararão quase todos na tua beleza
Instantaneamente eles, e elas: com inveja
Ah! e eu. Eu covarde, olhando-te à margem

Jamais dizemos palavras desnecessárias
Outros dias são os sorrisos que engolimos
As coisas que fazemos e não: tão térreas
Onde eu queria um céu repleto de mimos

#1

Morre nos meus braços. Não. Há coisas que nem a poesia deve consentir. Adormece.

19.9.04

O farol

Conheci-te numa noite que dura até hoje. Enrolei-me nas amêndoas dos teus olhos e tarde demais consegui perceber a artimanha da sua cor. A camisa de forças do teu corpo, uma metáfora que ainda faz sentido. Um rumo que sempre desmenti com a falsidade que sabes que eu sei impor. É nesta deriva louca que tu apareces, um farol do passado a iluminar trajectos impossíveis.

16.9.04

Olhares

Os teus olhos são de seda, o fio pegajoso de uma teia que me emaranha as palavras. Fica um silêncio, uma viagem para esse poço fundo e negro dos teus olhos.

14.9.04

Desculpas

Aonde tu foste, eu já lá estive. Lá ao fundo onde as palavras custam a sair, aonde as palavras roçam nas paredes de um mal estar suave mas persistente. Eu já lá tinha estado e conhecia a paisagem. Deixei-te demorar um tempo que te pareceu demasiado longo, com a tristeza a arrepiar-te a pele como se um vento fino te percoresse sem pudor a tez desnuda. Tu aflita por encontrares as palavras que enxaguassem a dor húmida nos meus olhos. Mas eu era um poço demasiado fundo onde o eco dos teus desejos não podia atingir. Mas eu já lá tinha estado, nesse local de feridas em que te encontravas agora, nesse local árido e sem esperança. Parecias perder as forças, branca e quase vazia, quando te dei a mão, mesmo que nunca tivesses encontrado as palavras certas para o termo desculpa.

12.9.04

a armadilha das palavras

este blog é estritamente literário e sem periodicidade garantida

10.9.04

As palavras

há uma urgência de sentir que as palavras não nos atraiçoam e não ficam presas no labirinto neuronal do esquecimento.as palavras fazem doer, às vezes quando as dizemos, tantas outras vezes quando guardámos seu som nos nós estreitos que embaraçam a voz. as palavras não posso conter