1.10.04

A voz

Eu podia ser a voz do teu corpo. Podia ser a palavra mar a sair dos teus olhos, a catarata de lágrimas que o teu sorriso de gozo acompanhava na sonoridade infantil das tuas gargalhadas. Podia ser a palavra terra da amostra de pele que me oferecias nos momentos que te desnudavas no pudor de uma luz entreaberta na cortina da manhã. Podia ser o astrónomo que desvendava o mapa cósmico dos teus sinais castanhos, o desenhador das constelações que marcavam o teu corpo. Era o meu dedo a dar-lhes voz, como quem indica um trajecto numa estrada para a aventura, com rotas pré-programadas que te guiavam ao prazer. Eu podia ser a voz que prolongava os teus suspiros abafados na noite quente que nós faziámos incendiar. Eu podia ser a palavra fogo que vinha do teu corpo, podia ser a labareda vermelha dos teus lábios mordicados. Era a língua que falava de palavras que vinham da almofada dos lábios. Era a língua que cruzava com uma palavra silenciosa que ficava escondida e presa no teu olhar, banhado na luz baça da noite que parecia não acabar. Eu queria ser a voz da tua voz, queria ser o verbo do amor que no silêncio da resposta te mantiveste fechada. Eu que fui voz de mim e do meu corpo num mês de Primavera tão parecido com o teu nome.

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